Congresso começa a discutir com mais intensidade a reforma tributária. Duas propostas estão sendo analisadas e ambas tratam da criação de imposto único em determinados casos ao invés de vários impostos como se é cobrado hoje. Entenda a importância da reforma e quais são essas propostas.
Após longos anos, o Brasil parece se aproximar de uma possibilidade de mudança significativa em sua carga tributária. A despeito dos graves problemas políticos enfrentados no início deste ano, o poder executivo parece finalmente ter entendido o poder de fazer uma política de aproximação com o poder legislativo.
O ministro da economia, Paulo Guedes, chegou a um acordo com os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado e aceitou o que já estava posto. O protagonismo da reforma tributária ficará com o poder legislativo. O que nós veremos a partir disso é se os projetos de iniciativa do Congresso Nacional são, de fato, proposituras que podemos chamar de reforma, ou se se tratam de medidas paliativas e transitórias.
Carga tributária brasileira
Quando falamos da carga tributária brasileira não podemos deixar de abordar algumas situações como, por exemplo, que de 2009 e 2016 a carga tributária em relação ao PIB manteve-se estável em torno de 32% e 33%.
Outro fator importante é que o Brasil tem uma carga tributária em relação ao PIB menor que a média dos países que compõem a OCDE. Em 2016 a média dos membros da OCDE estava em 34,2%, com destaque para a o México cuja carga tributária representava apenas 17,2% do PIB e para a Dinamarca com seus 45,9%, nós mesmos temos.
Bem, se a carga tributária em relação ao PIB não é excessivamente alta como de fato aparenta ser, qual será o problema?
Um dos principais problemas da carga tributária brasileira está no seu caráter regressivo, ou seja, ele onera, relativamente mais aqueles que têm menos. Esse é particularmente o perfil de regimes tributárias que têm predileção por impostos indiretos, como são os impostos sobre o consumo.
Apenas para se ter uma ideia do tamanho da importância dos impostos indiretos no Brasil, cabe falar do ICMS. De competência dos estados, é o maior imposto nacional, com arrecadação anual que já ultrapassa os R$ 400 bilhões.
Como se não bastasse, além de ter um infinidade de impostos que tributam o consumo, o Brasil ainda apresenta elevada disfunção burocrática quando o assunto é regime tributário. O país figura em uma das últimas colocações quando o assunto é o custo para realizar o pagamento de impostos. São muitos os impostos e muitas as ordenações jurídicas sobre o tema, o que gera uma imensa dificuldade na hora de realizar os recolhimentos.
Essas múltiplas regras sobre os impostos – de ICMS, por exemplo, são pelo menos 27 – acabam criando uma guerra fiscal entre os entes subnacionais, que traz mais perdas que ganhos à sociedade.
Por que a urgência?
Os impostos regressivos são preteridos em países desenvolvidos não apenas por uma questão de justiça social. É evidente que os países com cargas tributárias mais modernas e, consequentemente, mais progressivas, pensaram na saúde financeiras das suas empresas e indivíduos, no entanto, existe outra grande vantagem em ter uma carga tributária progressiva, ou seja, aquela que tem predileção por impostos sobre renda e patrimônio.
Os impostos sobre consumo são os primeiros a sentir o impacto de uma desaceleração da atividade econômica. Em um momento de incerteza e contração dos investimentos, o consumo começa a dar os primeiros sinais de ausência de tração da economia.
De modo geral, crise é crise em qualquer lugar do mundo. Uma recessão não faz distinção de países que têm carga tributária progressiva ou regressiva. No entanto, quanto mais progressiva for a carga tributária, menores serão os problemas fiscais decorrentes da insuficiência da atividade econômica.
Quando observado o comportamento dos impostos municipais, fica bastante claro o comportamento dos dois tipos de imposto diante da recessão.
Enquanto o Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU) apresenta uma queda bastante moderada mesmo quando a crise já se mostra em estágio avançado, o Impostos sobre Serviços (ISS) cai vertiginosamente e coloca em risco a execução do orçamento da cidade, a popularidade do prefeito e, consequentemente, a execução dos serviços públicos mais básicos.
Nós estamos ensaiando a saída de uma crise que prejudicou fortemente a economia do país. Ensaiando porque, com sorte, cresceremos 2% em 2020, o dobro da taxa dos últimos três anos, mas ainda insuficiente para um país com dimensões continentais como o Brasil.
Ainda assim, se tudo der certo, segundo o próprio Senado Federal, resultados fiscais (primários) positivos, só poderão ser vistos a partir de 2026.
A reforma tributária pode ser crucial para resgatar as contas públicas, permitir que se restaure o princípio da capacidade contributiva e que o governo, qualquer que seja, possa ter mais flexibilidade quando o assunto é despesa do Estado.
A reforma prevista
Existem duas propostas de reforma tributária que estão sendo discutidas no Congresso Nacional neste momento. A primeira é do ex-deputado Luiz Carlos Hauly, que prevê, entre outras coisas, a união de diversos impostos em apenas um, chamado inicialmente de Imposto sobre bens e serviços (IBS).
O novo imposto seria de competência estadual e teria que ser dividido com a União e com os municípios, respeitando o pacto federativo. A proposta prevê ainda a criação de um Conselho Gestor de competência dividida entre estados e municípios, além de um super fisco, órgão que teria o potencial de aumentar a arrecadação, além da criação de um fundo para evitar problemas fiscais durante a transição.
A outra proposta é de autoria do ex-senador Bernardo Appy que também prevê a criação de um imposto único para tratar de bens e consumo. Além disso, essa segunda proposta é mais transigente com relação a fixação de alíquotas, na condução do conselho gestor e no período de transição.
Além das duas propostas mais avançadas no poder legislativo, o que se sabe é que o governo tratou de pedir a inclusão de um imposto sobre valor adicionado e a criação de uma nova ‘contribuição provisória, desde que seja preservado o tamanho da carga tributária.
A maioria das propostas ainda orbita mais a questão de simplificação tributária que qualquer outro elemento relevante, mas boa parcela do que está sendo discutido ainda está no nível dos bastidores, então seria prematuro tecer críticas ao que provavelmente [se espera] seja aprovado até o final do primeiro semestre de 2020.
Perspectivas
Sem mais delongas, o que se sabe é que uma reforma tributária é muito importante para o Brasil nesse momento. O brasileiro médio anseia por isso há décadas e essa é mesmo uma oportunidade de ouro para um governo que precisará, cada vez mais, de elementos positivos caso queira manter o mínimo de governabilidade.
Impostos progressivos deixarão o país menos exposto a crises internacionais e domésticas. Além disso, permitirão que pequenas empresas tenham sobrevida e que o cidadão mais pobre fique com uma parcela um pouco maior de renda disponível.
A diminuição da insegurança jurídica na tributação brasileira pode atrair ainda mais investimentos internacionais e isso pode ajudar a colocar o Brasil de volta na rota do crescimento.
A reforma tributária não é a resolução para todos os males do país, mas ela pode garantir que nós não tenhamos que vender o almoço para comprar o jantar na próxima grande crise, como estamos fazendo agora.
A cada novo avanço na tramitação da reforma tributária (coeteris paribus) teremos dólar mais barato por aqui.
Veremos!
André Galhardo é economista-chefe da Análise Econômica Consultoria, professor e coordenador universitário nos cursos de Ciências Econômicas. Mestre em Economia Política pela PUC-SP, possui ampla experiência em análise de conjuntura econômica nacional e internacional, com passagens pelo setor público.