O ano de 2020 começou com o andamento das movimentações geopolíticas, além de problemas e soluções fiscais nas maiores economias do mundo. Como deve ser daqui pra frente? Como o crescimento dos Estados Unidos pode impactar as demais economias? Qual o impacto destes acontecimentos sobre o Brasil e o real? Acompanhe a análise.
Grandes mudanças à nossa frente prometem uma década diferente para a economia global. A fase um do acordo comercial entre China e Estados Unidos foi feita há pouco dias, na mesma semana em que o Tesouro dos Estados Unidos anunciou um rombo fiscal recorde.
Segundo a instituição, em 2019 o déficit fiscal superou, pela primeira vez, um trilhão de dólares americanos. Isso tudo acontecendo no mesmo momento em que a Alemanha divulgou um superávit fiscal relevante para um ano particularmente morno, o que trouxe cobranças por uma política fiscal mais ativa do governo alemão.
Acordo China – Estados Unidos: desafios para ambas as partes
Após 18 meses de idas e vindas, finalmente China e Estados Unidos parecem ter entrado em um acordo para findar a guerra comercial.
Apesar da ‘vitória da globalização’ você deve ter percebido que o mercado não ficou muito entusiasmado com a assinatura dos papéis.
O que parece ter deixado o mercado mais apreensivo, a despeito da assinatura do acordo, foi o fato de que a taxas impostas por Trump permanecerão em vigor até a assinatura da segunda fase do acordo. Ou seja, o problema foi parcialmente resolvido.
Outra pulga que habita a parte de trás das orelhas dos membros do ‘mercado’ é a capacidade que a China terá de absorver os excedentes que prometeu importar dos Estados Unidos.
Segundo os termos da fase um do acordo, a China terá que comprar um adicional de USD 32 bilhões em produtos agrícolas nos próximos dois anos. Além do adicional de produtos agrícolas, os chineses terão que comprar USD 50 bilhões em produtos de energia e USD 80 bilhões em produtos manufaturados a mais que o valor verificado em 2017, ambos no próximo biênio.
Os números da economia chinesa, divulgados nesta quinta-feira, confirmam que, aparentemente, o acordo firmado entre os dois países não acontecerá conforme prevê o documento assinado pelas autoridades dos dois países.
Em 2019 a economia chinesa apresentou o crescimento mais baixo em 29 anos, no limite inferior da banda estabelecida pelo governo. Os dados ruins do PIB foram reforçados pelo aumento marginal do desemprego no mês de dezembro.
Crescimento dos Estados Unidos: problemas e soluções fiscais
Enquanto Trump empurra a guerra comercial com a barriga, pelo menos até as eleições majoritárias de novembro deste ano, o déficit fiscal mais elevado da história dos Estados Unidos vai fazendo o mesmo com Trump.
Pela primeira vez na história dos Estados Unidos o déficit fiscal ultrapassou um trilhão de dólares em um ano.
Trata-se de uma situação bastante delicada, uma vez que a maior economia do mundo já tem uma dívida pública quase que incontável. Os volumes devidos pelos Estados Unidos sob forma de dívida pública já ultrapassam 100% do PIB, e aqui estamos falando de um PIB maior que USD 20 trilhões.
Por que isso é um problema tão grave?
Os resultados fiscais estadunidenses ocorrem justamente em um período de expansão da economia, ou seja, Trump construiu um déficit fiscal robusto mesmo com o aumento dos volumes arrecadados.
Uma dívida desta magnitude pode impedir que os Estados Unidos hajam de forma a combater uma próxima crise econômica por meio da política fiscal.
Ninguém sabe quando, onde e porque a próxima crise econômica acontecerá, mas quando ela vier, os Estados Unidos estarão um passo atrás.
É importante destacar que os déficits acima de um trilhão são esperados pelos próximos dez anos por lá.
Diferentemente da Alemanha que diante de um quadro fiscal muito bom já anunciou o maior plano de reestruturação das ferrovias do país em toda a sua história. Serão 86 bilhões de Euros gastos nos próximos dez anos.
A Europa entendeu, na dor, que a política monetária pode não ser um instrumento tão poderoso quanto se imaginava décadas atrás. Diante disso, ter uma política fiscal a mão é um trunfo muito importante.
Brasil e OCDE: um panorama geral
Após a derrota de Maurício Macri nas eleições presidenciais argentinas, os Estados Unidos passaram a apoiar publicamente o ingresso do Brasil no grupo que compõe a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
De modo geral, a entrada no grupo tem o potencial de aumentar o volume de investimentos no Brasil. Participar da OCDE permitirá que alguns fundos internacionais façam aportes no país, uma vez que esses fundos exigem que o país de destino dos investimentos seja membro do grupo.
Outra mudança importante nesta dança dos blocos e grupos é a decisão de abrir mão do status de país em desenvolvimento na Organização Mundial do Comércio.
É simples, para entrar no OCDE é necessário abandonar o status junto à OMC. Em outras palavras, o Brasil fecha uma porta, de onde se conheciam os potenciais ganhos e abre uma outra cuja única promessa é o potencial que essa adesão pode trazer ao país. Espera-se que o Brasil conclua o processo de ingresso na OCDE apenas em 2022.
Perspectivas
Existem muitos processos de mudança nesta virada de década, todas elas muito mais importantes do que aparentam neste momento.
A guerra comercial pode parecer inofensiva neste começo de 2020, se apresenta como um episódio que será completamente resolvido nos próximos meses, no entanto, a situação é bem diferente.
Para países fornecedores de matéria prima, como é o caso do Brasil, o cumprimento do acordo pode ser tão ruim quanto o não cumprimento. O não cumprimento trará mais volatilidade aos mercados financeiro e de câmbio, enquanto que o cumprimento pode diminuir o volume de exportações destes países para a China.
Tal como temos dito, as assinaturas de acordos prévios não passam de manobras políticas do governo dos Estados Unidos. A atual disputa é mais que uma guerra comercial, é a luta pelo poder global onde, aparentemente, os Estados Unidos saíram na frente, mas a condição fiscal norte americana pode colocar tudo a perder.
Quando veio a crise do subprime em 2008 o mundo achava que tinha um instrumento econômico poderoso para reverter a situação econômica global. Já se foram 12 anos e algumas regiões importantes do planeta, como a Zona do Euro, se enganam ao acreditar que graças à política monetária as coisas vão caminhando.
A próxima crise mundial exigirá mais do que taxas de juros negativas. Não basta ter dinheiro no banco, as pessoas e empresas precisam pegar esse dinheiro de lá.
A política fiscal e cambial serão instrumentos verdadeiramente poderosos para o enfrentamento da uma nova recessão global, não importa como, quando e onde ela apareça. Neste sentido a Alemanha está um passo à frente dos Estados Unidos, Japão e Brasil, por exemplo.
No nosso caso, o agravamento da guerra comercial, a falta de dinheiro dos norte americanos, o nosso teto de gastos e a própria entrada na OCDE podem ser a camisa de força mais elegante possível a se vestir.
Veremos!
André Galhardo é economista-chefe da Análise Econômica Consultoria, professor e coordenador universitário nos cursos de Ciências Econômicas. Mestre em Economia Política pela PUC-SP, possui ampla experiência em análise de conjuntura econômica nacional e internacional, com passagens pelo setor público.