De lá pra cá, nos acostumamos com o termo quantitative easing (QE) e com as consequências do uso quase que irrestrito da taxa de juros como instrumento de retomada da atividade econômica.
Afinal, quais são os riscos atribuídos ao uso de taxas de juros nominalmente negativas? Quando essa rodada de QE vai acabar? Quais os impactos dessa política sobre o real e demais moedas de países subdesenvolvidos?
Acompanhe nossa análise a seguir.
O novo normal na política monetária
Em 2008, quando a crise financeira eclodiu dos Estados Unidos para todo o globo, os bancos centrais se viram obrigados a agir, sobretudo aqueles cujas economias haviam sido feridas de morte: Europa, Estados Unidos e Japão.
Além da taxa básica de juros em níveis extremamente baixos, os bancos iniciaram um processo de injeção de dinheiro novo dentro do sistema financeiro, a fim de frear a redução da liquidez global e incentivar a economia via aumento de crédito barato.
Os Estados Unidos chegaram a colocar a taxa de juro em 0%, tal como fez o Banco Central Europeu (BCE), enquanto o Japão e algumas economias europeias que não integram a Zona do Euro colocaram à taxa em terreno negativo mesmo.
Além das maciças reduções das taxas de juros, os bancos injetaram trilhões de dólares em recursos financeiros novos para tentar impedir uma “paralisação” da economia mundial.
Foi o nascimento de uma era que ainda habita nosso sistema financeiro.
Os controversos resultados
Quase 13 anos depois do início das investidas das autoridades monetárias sobre a economia global, os resultados são bastante questionáveis.
Alguns, tal como o ex-presidente do BCE, Mário Draghi, preferem dizer que sem essa importante decisão dos bancos centrais, o mundo teria entrado em colapso e haveria um processo crônico de deflação nos países desenvolvidos.
Outros, no entanto, se questionam onde foram parar os investimentos produtivos depois de mais de uma década de dinheiro extremamente barato e abundante no mundo todo.
Os dois argumentos são importantes e de alguma forma válidos. Acontece que, sobre o segundo argumento, pesa a passagem descrita por J. M. Keynes na década de 1930. Eu não quero ser muito técnico, mas o célebre economista britânico chamou a atenção para a possibilidade do fenômeno da “armadilha da liquidez”.
Em outras palavras, o dinheiro criado pelas autoridades monetárias acaba ficando represado no sistema financeiro, sem completar o ciclo esperado pelos bancos centrais. De modo geral, a taxa de juros já se encontra tão baixa que a política monetária perde a eficácia.
Se o dinheiro novo, criado no bojo do QE, não está chegando nas mãos de empresas e pessoas, pra onde é que esses recursos estão indo?
O mercado financeiro
Para alguns economistas, o esforço empreendido pelos bancos centrais a partir de 2008 fizeram mais que evitar uma crise ainda mais catastrófica naquele momento. Eles postergaram o térmico de um ciclo econômico.
Alguns autores acreditam que no já longínquo ano de 2008, iniciava-s um novo ciclo econômico. Tal como havia previsto Joseph Alois Schumpeter ou Nicolai Kondratiev. Segundo esses autores, as transformações produtivas criam ciclos curtos e longos que dão a dinâmica da nossa economia.
Neste caso, o exorbitante volume de recursos depositados no setor bancário desde 2008, criou uma espécie de letargia na renovação deste ciclo, impedindo que a transformação amadurecesse e servindo muito pouco como indutor do ciclo que seria deixado para trás.
Diante de tal dificuldade para alocar esses novos recursos no setor produtivo, uma parcela importante deste dinheiro novo foi canalizado para o mercado financeiro.
O reflexo do uso de uma política monetária ultra expansionista pode ser visto nos principais índices das maiores bolsas de valores do mundo. Não quero me alongar aqui, mas apenas a título de conhecimento os índices S&P 500, Dow Jones, Nasdaq e o DAX, por exemplo, encontram-se em suas máximas históricas, quebrando recordes de forma recorrente mesmo com a economia global de joelhos diante da pandemia do novo coronavírus.
Os riscos para o real
Se os esforços dos bancos centrais serviram apenas para postergar o inevitável, então em breve teremos uma espécie de reciclagem de recursos. Uma crise econômica global que eliminaria um pouco a distorção dos preços dos ativos financeiros causados pelo volume de recursos vindos dos QE.
Essa crise em potencial traria, em tese, os mesmos movimentos de sempre, a fuga para ativos de maior segurança, a saber: dólar americano, franco suíço e ouro, por exemplo.
Essa fuga para ativos mais seguros e mais líquidos, em tempos de aumento do balanço de riscos, poderia trazer um amplo e crônico processo de desvalorização das moedas dos países subdesenvolvidos, como é caso do Brasil.
De modo geral, sabemos que um dia a fatura de 2008 irá chegar, e quando esse “ajuste” acontecer pode haver sérios impactos para a moeda brasileira.
Veremos.