Visão Geral
Uma parcela significativa de agentes econômicos costuma creditar à dívida pública, parte importante da explicação sobre a desvalorização da moeda brasileira em relação ao dólar norte-americano.
Aqui cabe a pergunta: é correto fazer essa associação, principalmente quando estamos diante de uma degradação das contas públicas, que é majoritariamente decorrente dos efeitos da pandemia sobre o mundo todo?
Se a condição fiscal realmente explica parte deste movimento de desvalorização da nossa moeda, como estamos neste quesito? A situação das contas públicas poderá reverter esse movimento de valorização da moeda brasileira?
Acompanhe nossa análise a seguir.
Como vão as contas do governo?
Desde o já longínquo ano de 2014, o governo brasileiro não tem conseguido criar resultados fiscais positivos, ou seja, há sete anos que o nosso país gasta mais do que arrecada.
Só em 2020, por razões óbvias, o resultado foi negativo de cerca de R$703 bilhões. De longe, o maior déficit anual da história das contas públicas brasileiras.
Mas antes de começar a falar de nós, falaremos dos Estados Unidos, apenas para mostrar que, em função da pandemia, a deterioração fiscal foi disseminada pelo mundo todo. Em 2020, a economia americana apresentou um déficit fiscal de US$3,3 trilhões, o que representa quase duas vezes o PIB brasileiro e trata-se do pior resultado fiscal da história norte-americana.
Voltando ao Brasil, a despeito da segunda e eventual terceira onda de covid-19, os resultados fiscais têm sido relativamente melhores que o esperado pela maioria dos analistas.
De janeiro a abril, o governo consolidado – que leva em consideração a União, os estados, os municípios e as empresas estatais – registrou superávit primário de cerca de R$75,8 bilhões.
É comum o governo consolidado apresentar resultados positivos no primeiro quadrimestre de cada ano. Tem sido assim nos últimos 25 anos, com raríssimas exceções. Apesar disso, o resultado de 2021, em valores correntes, é o mais elevado em toda a série histórica disponível no Banco Central.
Em valores reais, ou seja, descontados os efeitos da inflação, o superávit construído nos quatro primeiros meses deste ano, é o maior desde 2012.
Parte importante deste movimento pode ser explicado pelo desempenho das contas dos municípios, estados e das empresas estatais.
Estados municípios e estatais têm contribuído para a melhora
Uma parcela significativa da construção do superávit do primeiro quadrimestre, veio do esforço dos entes subnacionais, municípios e empresas estatais.
Dos R$75,8 bilhões, estados e municípios foram responsáveis por R$33,4 bilhões e as empresas estatais por cerca de R$1,6 bilhão. Somados, os dois superávits representam cerca de 46,2% do montante total do superávit do governo consolidado.
Parte da explicação dos resultados de estados, municípios e estatais serem melhores que os da União, vem dos esforços financeiros que o governo federal tem feito no âmbito do enfrentamento da pandemia. É na União que está canalizada a maior parte dos recursos que visam o combate à pandemia.
Outra explicação, vem da degradação do mercado de trabalho, sobretudo depois de 2014, que deteriorou consideravelmente os resultados da seguridade social do país.
A famosa dívida bruta
Um dos principais argumentos em torno do entendimento de que a degradação da dívida pública piora a cotação da moeda em relação ao dólar americano, decorre do aumento dos prêmios de risco.
Se a situação fiscal do país atinge um nível de degradação em que o único caminho que parece restar ao formuladores de política econômica é a transigência com resultados fiscais cada vez piores, a exigência dos investidores por juros mais elevados não poderá ser acompanhada em igual magnitude e rapidez de aumento da taxa de juros por parte do Banco Central.
Apesar de ser contraproducente falar em “calote” da dívida pública brasileira, à medida em que se aumenta a dívida pública, aumenta-se também os riscos subjacentes aos investidores, que passam a exigir maiores retornos ao comprar títulos públicos, sob pena de deixar o país.
Uma “boa” medida sobre endividamento público é a dívida bruta do governo geral, chamada simplesmente de DBGG. Neste indicador estão contidas todas as dívidas do governo consolidado, sem descontar os recursos que o governo dispõe como, por exemplo, as reservas internacionais.
Uma das formas mais utilizadas para avaliar a evolução da dívida bruta é colocá-la como proporção do PIB. Neste sentido temos a seguinte situação da DGBB como proporção do PIB no Brasil:
- Em outubro de 2020 alcançamos, pela primeira vez, 89%
- Encerramos ano passado em 88,8%
- Encerramos o primeiro quadrimestre de 2021 com a DBGG em 85,6%, menor patamar desde julho de 2020.
Depois de ter assumido uma clara tendência de aumento, a DGBB apresenta agora uma clara reversão de tendência em proporção do PIB, sustentada, principalmente, pela retomada econômica vista nas primeiras semanas do primeiro trimestre do ano.
Portanto, no que diz respeito à situação fiscal, apesar dos pesares, os últimos meses foram de boas notícias.
Acontece que essa é só uma parte da história…ainda falta a política.
Política
Apesar de relevante, o endividamento público não é a única variável explicativa para a perda de poder aquisitivo do real em relação ao dólar. Pelo contrário, você leu mais acima que discutir nível de endividamento em uma momento em que o país luta para superar uma pandemia, é no mínimo muito estranho.
Então vamos à política…
Em 2015 e 2016, momento de intensa disputa política que culminou com o afastamento definitivo da ex-presidente Dilma Rousseff, a moeda brasileira enfrentou um intenso movimento de desvalorização em relação ao dólar, tal como havia sido na disputa eleitoral de 2002.
A moeda americana iniciou 2015 cotada a R$2,66 e terminou aquele ano cotada a R$3,96, logo depois de ter ultrapassado a marca de R$4,00 pela primeira vez na história.
De lá para cá, apesar de alguns movimentos muito pontuais de valorização, a moeda americana não voltou a ser cotada abaixo dos R$3,00. Ao contrário disso, o desgaste político atual, somado aos efeitos da pandemia, levaram o dólar americano para perto da casa dos seis reais.
A CPI da Covid e diversos outros desdobramentos da política nacional mostraram à maioria que, ao menos por enquanto, a questão fiscal está à reboque da questão política e deve ser assim pelos próximos meses.
Estamos entrando no segundo semestre do ano sabendo que um novo e importante capítulo da nossa história política se aproxima, e junto com ele pode vir mais turbulência cambial.
É melhor a dívida em proporção do PIB continuar caindo, preferencialmente de forma ainda mais acelerada, quem sabe dessa forma ela não atua como grande coadjuvante dessa história.
Veremos.