Visão Geral
O banco central dos Estados Unidos, Federal Reserve, tem dito por meio dos seus integrantes que só deve mudar o atual patamar de juros e o ritmo de compra de ativos dos bancos privados, após a normalização do mercado de trabalho.
O que isso quer dizer?
O FED, como também é chamada a autoridade monetária norte-americana, entende que a inflação está muito acima da meta, mas que não fará nenhum movimento precipitado porque ainda aguarda uma diminuição do nível de desemprego.
Será que as últimas leituras de inflação não podem, finalmente, fazer o FED mudar de ideia? O que isso significaria ao Brasil?
Acompanhe nossa análise a seguir.
Os dados de junho
Dados de junho mostram que a inflação nos Estados Unidos continua forte e bastante dispersa entre todos os produtos.
O mercado aguardava uma variação de preços de +0,5%, levemente inferior à leitura relativa ao mês de maio, mas a inflação mostrou que não está para brincadeira, e a variação mensal foi a maior do ano, +0,9%.
Apenas a título de comparação, em junho, a inflação brasileira medida pelo IPCA foi de +0,53% e a leitura mensal mais elevada de 2021 até agora foi feita em março, quando o indicador apontou avanço de +0,93%.
Voltando aos Estados Unidos, a inflação mensal foi bastante elevada e as leituras anual e semestral também mostram a força da evolução do índice de preços norte-americano.
A inflação anual alcançou +5,4%, muito acima da meta de inflação do Federal Reserve, que é de 2%. É o patamar de inflação mais elevado desde agosto de 2008, pouco antes da eclosão da crise do subprime.
Já a inflação acumulada nos seis primeiros meses do ano, +3,65%, é a mais elevada desde 1981, quando o mundo ainda sentia os efeitos inflacionários decorrentes do segundo choque do petróleo, em 1978.
A correção pelo núcleo de inflação
O movimento de alta nos preços não é exclusividade dos Estados Unidos, trata-se de um problema visto na maioria dos países.
No Brasil, a inflação está muito acima do teto da meta e deve encerrar o ano com o descumprimento do que foi estabelecido pelo Conselho Monetário Nacional. Estamos diante da inflação mais elevada em cinco anos no país.
Na Inglaterra e outros países da Europa, a inflação encontra-se em um nível muito menor se comparado com Estados Unidos ou com o Brasil, mesmo assim, o Banco da Inglaterra já expressou preocupação com o avanço do índice de preços, a exemplo do que fizeram diversos outros bancos centrais.
Parte desse aumento global de inflação é explicado pelo estrangulamento das cadeias produtivas, que acabaram formando gargalos em função da diminuição da produção imposta pela pandemia. Parte também pelo aumento dos preços das commodities, que ficaram muito mais caras diante do aumento da demanda decorrente do processo de retomada econômica da Europa, China e dos próprios Estados Unidos.
Para extrair da inflação esses efeitos transitórios, como os aumentos dos preços das commodities, o banco central dos Estados Unidos, olha para uma métrica chamada núcleo da inflação, de onde são extraídos os preços dos combustíveis e dos alimentos, por exemplo.
Mesmo este indicador, encontra-se em nível bastante elevado. A inflação medida pelo núcleo e pelo índice “cheio” foram criteriosamente iguais no mês de junho, +0,9%, um indício de que a inflação atual não está sendo movida por efeitos transitórios de curto prazo.
Em doze meses, a inflação medida pelo núcleo alcançou 4,5%, a mais elevada em 30 anos.
O duplo mandato do FED está quase em xeque-mate
Diferentemente do Banco Central do Brasil, a autoridade monetária norte-americana tem um duplo mandato.
Isso significa que, além de zelar pelo poder de compra da moeda, ou seja, perseguir a meta de inflação anual, o FED também tem que zelar pelo nível de emprego nos Estados Unidos. Em outras palavras, o banco tem que atuar de modo a inibir a inflação e estimular a atividade econômica.
Esse duplo mandato é importante porque o banco central, ao fazer o uso de uma política monetária mais restritiva (aumento dos juros), pode trazer complicações para a economia ao tentar conduzir a inflação para patamares mais “saudáveis”.
Até aqui, quando questionados sobre o comportamento da inflação nos Estados Unidos, os membros do Federal Reserve dizem que a inflação é temporária e não exige mudança na política monetária em curso.
Além disso, dizem que o aumento da taxa de juros neste momento seria prematuro porque poderia comprometer a retomada do mercado de trabalho. A leitura do FED é a de que pela inflação, os estímulos monetárias poderiam ser diminuídos, mas os dados do mercado de trabalho ainda não são suficientemente robustos para endossar essa decisão.
Acontece que, é muito impactante para os membros do FED verem a maior inflação em 40 anos no primeiro semestre, ou ainda o núcleo, queridinho da análise do banco, estar no maior nível em quase 30 anos.
A partir de agora, o aumento de preços por inércia, poderá obrigar o FED a tomar a decisão baseado com exclusividade na inflação, comprometendo o chamado duplo mandato.
Qual o impacto no câmbio?
Esse posicionamento do FED, de não mexer na política monetária no curto prazo, por entender que o mercado de trabalho ainda precisa apresentar dados mais consistentes de retomada, tem sido a grande oportunidade para os bancos centrais dos países subdesenvolvidos.
Já que a taxa de juros (americana) encontra-se no intervalo entre 0% e 0,25%, foi permitido aos demais bancos centrais operarem com taxas significativamente baixas. Sim, esse foi um dos elementos que permitiram ao Banco Central do Brasil colocar a Selic em 2% ao ano.
Agora, apesar de a taxa de juros norte-americana permanecer neste mesmo patamar, algumas pressões vêm sendo criadas para que o FED mude o discurso e comece a aumentar a taxa básica de juros agora.
A simples notícia de que pode haver aumento dos juros americanos, obriga os demais bancos centrais a operarem com taxas mais elevadas de juro básico.
A depender de quando e do ritmo de normalização da política monetária nos Estados Unidos, poderá haver um forte movimento de valorização do dólar em relação às demais moedas.
A inflação está trabalhando de forma consistente para fortalecer o dólar.
Veremos.