Visão Geral
Há pouco mais de um mês que só se fala em uma coisa: o Projeto de Emenda à Constituição (PEC) nº 23 de 2021 que modifica o regime de precatórios da União. A PEC em questão foi uma das estratégias que o governo encontrou para financiar alguns projetos em 2022.
Em outras palavras, essa é a aposta do governo para abrir espaço no Orçamento de 2022 para conseguir gastar mais R$91,6 bilhões e aumentar para R$400 o valor do chamado Auxílio Brasil, que substitui o Bolsa Família até o final do próximo ano que, não podemos e nem devemos esquecer, é ano de eleições.
Obviamente que toda essa manobra já rendeu muitas críticas e preocupações do mercado como temos destacado aqui em nossas análises periodicamente. A principal delas diz respeito à flexibilização da Lei do Teto de Gastos, que determina quanto o governo deve gastar no ano seguinte.
Mas, para entendermos melhor essa conjuntura atribulada, acompanhe nossa análise a seguir.
Qual é o quadro fiscal do Brasil? (c: 248 de 225)
No final de outubro foi noticiado que as contas do governo central, que é formado pelo Tesouro Nacional, o Banco Central e a Previdência Social, registraram um superávit primário de R$303 milhões. O dado se refere ao desempenho no mês anterior, mês de setembro.
Mas, apesar do aparente resultado positivo, não podemos abstrair o fato que este é o primeiro dado no azul para o mês desde 2012. O que contribuiu para o resultado foi o maior recolhimento de tributos de empresas, além de créditos extraordinários somada à redução de apoio financeiro a Estados e Municípios e subsídios destinados ao Programa Emergencial de Acesso a Crédito.
Esses dados são fundamentais para nos dar a tônica do que se passa com as contas públicas no Brasil. Traçando uma breve trajetória, no acumulado de 2020, houve déficit primário de R$743,1 bilhões frente a um déficit de R$95,1 bilhões em 2019 (em valores nominais).
Não podemos esquecer que 2020 foi um ano profundamente impactado pela pandemia e que, além de gastos extraordinários que precisaram ser realizados, a queda da arrecadação foi brutal. Ainda assim, a projeção do Ministério da Economia para o déficit primário do governo central em 2021 é de R$139,4 bilhões, diante da perspectiva de maior arrecadação neste ano.
Este resultado ainda é claramente inferior ao resultado pré-pandemia e reflete que, além de um ano extremamente desafiador, 2021 não foi um ano de muitos acertos na condução da política econômica.
Como o governo avalia o quadro fiscal?
O ex-secretário do Tesouro Nacional no governo de Jair Bolsonaro, o economista Mansueto Almeida, compartilhou recentemente com clientes do banco BTG Pactual do qual ele é economista-chefe, sua análise acerca das contas públicas.
Na análise, Mansueto destacou os surpreendentes resultados fiscais do setor público em setembro. Contudo, ressaltou a crescente incerteza das ações do governo no próximo ano e o compromisso do futuro governo com o ajuste fiscal.
Claro que Mansueto não faz mais parte do governo, portanto, sua opinião não reflete necessariamente a avaliação do Ministério da Economia. Contudo, sua convergência com o posicionamento do governo e sua passagem recente pelo Ministério nos dá uma pista do grau de “otimismo” rondando Brasília.
Na realidade, contudo, do ponto de vista do próprio governo, o que temos visto foi uma guinada do governo em prol da elevação de gastos – de modo contrastante ao posicionamento que norteou as ações até aqui.
O Ministro da Economia, Paulo Guedes, já declarou mais de uma vez no último mês que a solução encontrada para financiar o Auxílio Brasil não altera os fundamentos fiscais da economia brasileira, tampouco eleva a incerteza, uma vez que dá total previsibilidade para a trajetória dos gastos.
Ainda assim, o movimento do Tesouro Nacional, ao divulgar o resultado das contas públicas do governo central referente ao mês de setembro parece ter emitido sinal contrário. Tradicionalmente, junto ao relatório, o Tesouro divulga um sumário executivo. Mas, desta vez, após a guinada na política econômica do governo com a possível flexibilização do teto de gastos, o sumário executivo foi oculto da publicação.
A exemplo do forward guidance do Banco Central, o sumário do Tesouro apresentava todas as avaliações sobre o cenário fiscal e a importância da regra de Teto de Gastos. Para o mercado, o sumário funcionava como uma âncora de sustentabilidade das despesas. Com a recente mudança, sua credibilidade foi posta em xeque.
A avaliação do Bacen e os riscos fiscais
Em nossa última análise, nós apresentamos as perspectivas do Banco Central para os próximos passos de sua política monetária. Sob este ponto, destacamos um elemento importante presente na visão do Banco Central: o balanço de riscos, particularmente o peso dos riscos fiscais neste balanço.
Em outras palavras, isso significa que dentre todos os riscos que possam influenciar as condições monetárias do país, o Bacen destacou a questão fiscal como de maior risco na atual conjuntura. O risco em questão se dá pelas incertezas fiscais.
Nesse sentido, a perspectiva que o Banco Central divulgou ao mercado por meio de sua última Ata foi justamente a de que como não há clareza sobre a trajetória das contas públicas, a maneira que o Bacen tem para evitar que a inflação saia do controle é elevando os juros.
O primeiro ponto que o Comitê de Política Monetária (Copom) destaca é que “novos prolongamentos das políticas fiscais de resposta à pandemia que pressionem a demanda agregada e piorem a trajetória fiscal podem elevar os prêmios de risco do país”.
Traduzindo em miúdos, o Copom observa aqui que em função da atual conjuntura, as ações do governo para manter a demanda e, consequentemente, o consumo das famílias e os investimentos das empresas, podem pressionar os preços, uma vez que a atividade econômica ainda está bastante fragilizada.
Em seguida, a Ata destaca que “o Comitê avalia que recentes questionamentos em relação ao arcabouço fiscal elevaram o risco de desancoragem das expectativas de inflação, aumentando a assimetria altista no balanço de riscos”.
Assim, o Copom conclui que todo o debate acerca de gastos extras não previstos no Orçamento Público e que eventualmente infrinjam a Lei do Teto de Gastos levanta questionamentos sobre o compromisso com o controle fiscal e, com isso, eleva incertezas, retira investimentos do país, eleva o Dólar e força o Bacen a elevar os juros.
Esse conjunto de argumentos que colocam peso sobre a trajetória fiscal brasileira, na visão do Banco Central, justificam a trajetória mais contracionista da Selic e apresentam de maneira muito explícita o cenário básico da autoridade monetária.
Perspectivas
As propostas do governo, somadas às ações do Tesouro e à avaliação do Copom/Bacen, contribuem para as incertezas e, potencialmente, para certo pessimismo com relação às contas públicas do Brasil.
Recentemente, o ex-presidente do Banco Central, Gustavo Franco, lembrou que, em 2002, o dólar saltou de R$2,30 para R$4,00 no curto intervalo de seis meses por conta da grande incerteza que pairou sobre o mercado sobre o que o novo governo faria na condução da política econômica.
Nossa leitura é de que, com a continuidade da atual trajetória e da elevação da incerteza, podemos ver a continuidade da depreciação do Real e, em 2022, podemos ver um ritmo de depreciação tão veloz quanto o visto em 2022, com patamares bastante superiores a R$6,50.
Seguimos de olho.