Visão Geral
Uma coisa é certa: no mundo dos economistas, onde quase nada é consensual, nem mesmo a origem da inflação brasileira serviu para trazer “união” entre nós. E isso representa um grande problema para a população, para o Banco Central e para a nossa economia como um todo.
Esse amplo debate ocorre porque são variados os motivos que fazem aumentar o índice de preços em um determinado país. A escalada de preços pode estar relacionada ao aumento do consumo ou à escassez de oferta, nas chamadas inflação de demanda ou de oferta, respectivamente.
Acompanhe nossa análise a seguir.
Os fundamentos para a alta da Selic
Para entendermos os movimentos da Selic, precisamos entender qual a avaliação feita sobre a inflação. E, atualmente, concorrem duas visões: a leitura de que a inflação se dá por questões de oferta e outra por questões de demanda.
A inflação de oferta está ligada ao aumento de preços decorrentes de problemas no processo produtivo como, por exemplo, quebras de safra causadas por falta ou excesso de chuva ou uma pandemia, que pode comprometer a capacidade produtiva industrial, por exemplo.
A inflação de demanda decorre do aumento do nível de atividade econômica sem que haja correspondência das capacidades produtivas, ou seja, pessoas e empresas querem comprar mais que os setores produtivos podem oferecer.
Afinal de contas, a inflação de 2021 é de oferta ou de demanda?
A inflação brasileira tem sido fortemente influenciada pelo aumento dos preços da energia elétrica, dos combustíveis e pelo crônico e agudo processo de desvalorização da moeda brasileira em relação ao dólar. Todos esses componentes de uma inflação de oferta.
E por que saber a causa da inflação é importante?
Porque é a partir do diagnóstico que o Banco Central tomará as medidas para tentar combater a escalada de preços.
Como o aumento da Selic não promoverá mais chuva, mais combustível ou valorização do real, porque a escolha da nossa autoridade monetária em subir tão rapidamente a taxa básica de juros?
Nas últimas reuniões do Copom ficou claro que, entre as principais preocupações do nosso banco central, está a tentativa de impedir componentes de inércia na nossa inflação, ou seja, que os agentes aumentem os preços não como resposta dos aumentos de custos, mas como reflexo da inflação passada. E como a inflação não para de subir isso é realmente um problema.
Em resumo, a Selic está subindo mais rápido que as demais taxas de juros no resto do mundo para tentar impedir que a inflação saia de controle. Essa última frase pode parecer óbvia, mas isso é mais que a tentativa de trazer a inflação para o centro da meta, por exemplo.
Juros altos devem frear a atividade econômica
O grande problema da taxa básica de juros é que ela normalmente, quando muito elevada, tende a inibir a melhora da atividade econômica.
Na verdade, em um país como o Brasil, onde as taxas de juros ao consumidor são essencialmente predadoras do bom funcionamento da economia, uma taxa muito acima do que se chama de taxa neutra, deve endossar a expectativa de que haverá contração econômica no ano que vem.
Uma taxa básica de juros muito alta, como a Selic deve ser nos próximos meses, tende a produzir um “PIB negativo” no ano que vem pelos seguintes fatores:
- os ativos financeiros, cuja remuneração estão indexadas à taxa básica de juros, ficarão cada vez mais atrativos, fazendo com que parte dos recursos que seriam destinados à produção de bens tangíveis seja endereçada para o mercado financeiro;
- taxas de juros mais elevadas encarecem ainda mais os financiamentos de residências e bens duráveis, por exemplo.
Esses dois mecanismos devem atuar como sustentáculo das elevadas taxas de desemprego e baixo nível de investimentos públicos e privados no ano que vem.
O Banco Central do Brasil tem o que chamamos de mandato dual, ou seja, ele deve se preocupar com a estabilidade do nível de preços ao mesmo tempo em que se ocupa com o pleno emprego, mas no caso brasileiro, apesar de previsto em lei, o mandato dual é capenga e pende com muito mais força para o controle dos preços.
Essa “predileção” pelo controle dos preços significa que o Bacen não hesitará em frear a economia para combater a inflação. A propósito, o próprio Banco Central deixou claro na ata da última reunião do Copom que fará um aperto monetário – aumento dos juros – significativamente contracionista nos próximos meses.
A fragilidade da atividade econômica brasileira
Agora que você já sabe que a taxa de juros pode – e deve – produzir um movimento de contração na nossa economia, imagine isso em um ambiente em que:
- a indústria nacional apresentou recuo mensal nas últimas cinco leituras feitas em 2021 – junho a outubro – maior sequência de quedas mensais desde a grave crise de 2015-2016;
- o setor de serviços, responsável por cerca de 70% do PIB nacional, encontra-se cerca de 13% abaixo do maior nível já atingido, em dezembro de 2014, e sem maiores perspectivas de melhora robusta;
- a massa salarial ampliada encontra-se no mesmo nível em que estava há quase dois anos;
- cerca de 3 a cada 4 famílias brasileiras estão endividadas e cerca de 10% das pessoas com dívidas em atraso já assumiram o fato de que não terão dinheiro para honrar seus compromissos.
Cada um destes elementos mostra que os nossos desafios já seriam suficientemente elevados para produzir crescimento da nossa economia no ano que vem. Agora, como agravante, temos uma taxa de juros que servirá como um freio de mão puxado em um carro que já estava praticamente parado.
Nesse contexto, faça o seguinte exercício: imagine que você possa comprar um veículo novo em 48 parcelas com uma taxa de juros anual que beira os 4,6%. Pois bem, essa é a taxa média de juros cobrada nos bancos dos Estados Unidos. No Brasil, este percentual ficou próximo de 21% em outubro deste ano.
É claro que a compra de um veículo envolve renda e outros fatores relevantes, mas olhando apenas para a taxa de juros, em qual dos dois países há mais estímulo pelo consumo de carros novos?
Perspectivas
Em um ambiente em que a situação política não é condição majoritária na determinação do câmbio, a alta da Selic poderia produzir um aumento na entrada de dólares no país, fazendo cair a taxa de câmbio, no entanto, sabemos bem que essa não é a realidade brasileira.
Por enquanto, o Banco Central tem agido para tentar conter o avanço da inflação no país, mas em alguns meses ou semanas, o aumento da taxa de juros nos países desenvolvidos pode mudar essa condição.
A nossa autoridade monetária deve ser obrigada a manter por um período mais prolongado a taxa de juros em níveis significativamente contracionistas.
E em função das eleições e de todos os remendos feitos sobre o teto de gastos no orçamento de 2022, a taxa de juros mais elevada não significará mais entrada de dólares no nosso país.
Seguimos de olho.