“A diminuição da importância dos Estados Unidos e o impacto no câmbio”, por André Galhardo

Há muito tempo discute-se sobre a decadência da economia americana e uma possível “transição” do poder da América de volta para o continente asiático.

Uma parte dos livros, artigos e reportagens que tratam deste assunto, baseiam-se em diversos fatores, entre os quais destaca-se a história. Nenhum grande império, como foi o romano, será grande para sempre.

Com base na história, um dia os Estados Unidos devem deixar de ser o centro político, econômico e bélico do mundo, e apesar da possibilidade de um mundo mais plural, com diversos países dominando  todos esses assuntos conjuntamente, a história nos mostra que este poder deverá ser substituído por outro.

Neste sentido, temos que fazer algumas perguntas: faz sentido estimar um possível declínio do poder norte americano baseado nas evidências históricas? Se sim, quando isso deve acontecer? Será uma transição relativamente pacífica ou teremos uma período em que dois ou mais países dominarão conjuntamente as decisões que afetam a quase todos os demais países?

Acompanhe nossa análise a seguir.

Os Estados Unidos vêm mesmo perdendo importância?

Segundo dados do Banco Mundial, houve um recuo importante da participação do PIB americano na produção global.

Avaliando os dados em dólar PPP (Purchasing Power Parity), de tudo que era produzido no mundo em 1990 cerca de 20,4% era proveniente dos Estados Unidos. Esse percentual aumentou ligeiramente no ano 2000 para cerca de 20,9% e depois caiu sensivelmente para 16,8% em 2010 e cerca de 15,8% em 2019.

A avaliação do PIB em valores nominais também apresenta diminuição importante do PIB americano no total global. Em 2000 a economia dos Estados Unidos representava cerca de 30,5% do total produzido no mundo. Em 2010 esse percentual recuou a 22,7% e em 2019 voltou a subir para 24,4%. 

A opção em avaliar o PIB em PPP se faz necessária em função da volatilidade cambial. Quando avaliamos o PIB nominal podemos incorrer em problemas de sub ou superestimação das variáveis.

Com relação ao PIB, antes de apresentar recuo de 9% no segundo trimestre de 2020, a economia americana havia crescido por cerca de 129 meses seguidos. Trata-se de um recorde para os Estados Unidos, que antes disso havia encontrado um longo período de crescimento – 120 meses – no governo Clinton. Em toda história dos Estados Unidos, em apenas duas oportunidades houve crescimento por mais de 100 meses em sequência.

A propósito, o mercado de trabalho refletia o longo período de expansão. Em 2019 a taxa de desemprego atingiu o menor nível desde 1969.

Para além da economia, é importante destacar que nos últimos anos os Estados Unidos se consolidaram como o maior produtor de petróleo, e depois de muitas décadas foi permitido pelo governo inclusive a exportação desta commodity em estado natural.

Então, a princípio, não podemos ser simplistas a ponto de garantir que a economia americana esteja simplesmente em declínio. É verdade que, a despeito do quase “pleno emprego”, a renda não tem crescido de forma contundente. 

Tão preocupante quanto a resiliência da renda, é o que tem sustentado esse crescimento. Uma situação muito singular tem sido proporcionada pelo Federal Reserve, que tem inundado o mercado com trilhões de dólares e garantido por mais de uma década taxas de juros reais negativas.

Acontece que, o aumento da desigualdade e as taxas de juros negativas não têm sido os motivadores da discussão sobre a hegemonia dos Estados Unidos, o “problema” está do outro lado do mundo e tem nome. China!

A ascensão asiática

Podemos começar com a ilustre frase de Napoleão Bonaparte, que disse algo como: “Quando a China despertar, o mundo se comoverá”. A frase foi dita para expressar a visão que Napoleão tinha, de que o potencial de riqueza visto na China era esplendoroso.

De fato, desde o primeiro plano quinquenal, feito há cerca de 68 anos, a China cresce quase que de forma ininterrupta, o que a colocou como maior economia global em dólar PPP.

Em 1990 o PIB chinês representava cerca 3,8% do PIB mundial, esse indicador alcançou 17,3% em 2019. 

Na década de 1990 a participação chinesa do comércio internacional era semelhante à brasileira, cerca de 1,5%. Em 2019 o Brasil permanece com o mesmo percentual enquanto a China representa mais de 14% do comércio total global.

Dados da Unctad mostram que no ano de 1983 Brasil e China exportaram cerca de US$ 23,6 bilhões, praticamente o mesmo valor, portanto. Em 2019 a China exportou cerca de US$ 2,7 trilhões e o Brasil US$ 260 bilhões. Em 37 anos a China multiplicou o seu volume de exportações em cerca de 113 vezes, enquanto o Brasil só conseguiu aumentar em 10 vezes.

Além da explícita vantagem chinesa no que diz respeito ao comércio internacional, posição estratégica e tamanho da população, por exemplo, o ambiente de pandemia deixou nas mãos do país asiático, segundo a própria Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a função de servir de catalisador da retomada econômica pós-pandemia. 

De modo geral, a pandemia veio acelerar o processo de criação de um “novo” pólo político e econômico que vem acontecendo há muita décadas, mas se intensificou nos últimos 20 anos e deve se consolidar em função da pandemia.

Os criptoativos e o blockchain

A força dos Estados Unidos não emana “apenas” do tamanho da sua economia. O poder americano é uma conjunção de fatores que inclusive, não poderão, em razão do espaço, ser discutidos neste texto.

Um dos elementos mais importantes que explicam a hegemonia americana é a sua moeda. O dólar se consolidou como a moeda global, principalmente depois dos acontecimentos de 1944 e 1971.

Ter a moeda mais poderosa do mundo deu importantes ferramentas para a criação de um regime de dependência crônica dos países latino-americanos, europeus e asiáticos em relação aos Estados Unidos.

E até mesmo esse exorbitante privilégio, parafraseando o economista Barry Eichengreen, pode estar ameaçado, haja vista o recrudescimento das incontáveis criptomoedas.

Há cinco anos as criptomoedas movimentavam cerca de US$ 35 milhões por dia. Em 2020 esse volume diário alcançou cerca de US$ 200 bilhões em algumas oportunidades.

Isso não quer dizer que o Bitcoin, a Ethereum ou a XRP tomarão o lugar do dólar nas negociações globais, isso é pouco provável no curto e médio prazos, no entanto, é uma tecnologia que tem crescido e se desenvolvido muito nos últimos anos e se constitui cada vez mais como alternativa ao modelo atual de moeda.

Aqui temos duas coisas importantes, as criptomoedas cada vez mais numerosas – cerca de 4.200 – e cada vez mais conectadas ao sistema de pagamentos tradicional. E o blockchain, estrutura de registro das transações de compra e venda das criptomoedas. Os dois servirão de material para mudar a estrutura de pagamentos que conhecimentos hoje.

Prognóstico

Nós falamos longamente sobre a economia americana e a ascensão da China, falamos também do papel dos chamados criptoativos e, apesar de importantes, nem de longe esses temas esgotam essas discussão.

A mais contemporâneas das transformações americanas vem da última eleição presidencial. O atual presidente questiona a contagem dos votos e coloca em xeque a democracia dos Estados Unidos, uma das maiores instituições ocidentais e, sem dúvida nenhuma, um dos alicerces americanos.

É cedo e leviano falar de uma queda do “império” americano? Sim! Mas seria igualmente inoportuno não falar das importantes mudanças em curso que devem alterar a forma como vemos o mundo e a forma como usamos o dinheiro.

Veremos.

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