A guerra comercial entre Estados Unidos e China teve início com a chegada de Donald Trump ao poder. É correto dizer que o movimento ganhou força após 2017 em função do entendimento de que esse conflito transcende as questões puramente comerciais. Voltaremos a essas questão mais adiante.
Trump tem insistido em sobretaxar as importações de produtos vindos da China a fim de diminuir o ingresso de mercadorias deste país, e com isso diminuir o nível de atividade econômica do principal rival econômico dos Estados Unidos.
O presidente americano, que pregava ideias liberais condizentes com a postura de seu partido (Republicano) durante a campanha em 2016, parece ter entendido que “fazer a América grande novamente” depende também de “fazer a Ásia pequena de novo”.
E isso implica atribuir a Trump a pecha de grande interventor na economia, algo altamente criticado pelo próprio presidente antes da sua chegada ao poder.
O processo que começou em âmbito comercial se estende para outras esferas e agora atinge empresas chinesas domiciliadas nos Estados Unidos. Segundo entendimento americano, a China teria interesses maiores que os comerciais ao instalar a estrutura de internet 5G nos Estados Unidos.
Diante deste imbróglio político-econômico, intensificam-se as ações e ameaças de Donald Trump sobre qualquer tipo de incursão econômica da China.
Quais as motivações de Trump?
Note que o aumento de tarifas mal começou e a China já parece ter sentido os efeitos da proteção alfandegária americana.
É claro que os chineses já experimentavam um ritmo de crescimento cada vez menor nos últimos anos. Ainda assim, tudo indica que o movimento protecionista de Trump ajudou a intensificar a queda do ritmo de crescimento.
Diante de uma desaceleração mais forte que a vista nos últimos – a China cresceu 6,6% em 2018 e esse foi o menor crescimento desde 1990 – o governo chinês adotou uma posição incomum, a de estimar o crescimento em bandas. Segundo o governo, o país deve crescer de 6% a 6,5% em 2019.
Na verdade a desaceleração chinesa vai além dos impactos das políticas econômicas de Donald Trump. O segundo semestre de 2018 foi marcadamente negativo para as principais economias da União Europeia – que também possui laços econômicos com o gigante asiático.
Enquanto a produção industrial e o sentimento econômico despencavam na Alemanha, França e Itália, o Brexit jogou contra a economia do Reino Unido. Isso tudo também ajudou a forjar o menor crescimento da China desde o século passado.
O Fato notório é que a melhora da economia dos Estados Unidos tem trazido resultados cada vez mais deficitários na balança comercial.
Ao encaminhar-se para o auge, a guerra comercial não tem efeitos significativos de proteção à indústria americana. Isso deixa evidente que o conflito é mais que comercial, mas também geopolítico e, posto isso, deve se estender por longos meses ou anos.
A nova forma de dominação não é mais pela força, mas pelo pelo poder econômico. Xi Jinping e Donald Trump sabem disso.
Qual a reação chinesa?
Diante da desaceleração econômica da China, o Partido Comunista Chinês (PCC) tem tomado ações para diminuir os impactos da guerra comercial e do enfraquecimento da União Europeia.
Representantes do governo anunciaram cortes nos impostos para produtos industriais da ordem de 2% do PIB chinês. Cabe lembrar que o PIB da China foi de aproximadamente 13,4 trilhões de dólares. Além disso, o governo também prevê a redução de impostos ligados ao setor de transportes e de construção.
A despeito das reduções de impostos, já incluídas no orçamento para 2019, o orçamento total chinês terá crescimento de 0,2%, o que indica que o governo da segunda maior economia do mundo entende a importância da atuação do Estado para preencher qualquer lacuna deixada pelas empresas.
Outro poderoso instrumento que a China vem usando é a política cambial. A propósito, para defender-se das investidas dos Estados Unidos este tem sido um dos principais mecanismos à disposição dos chineses.
Do dia 1º de abril até meados do mês de maio, a cotação do Yuan em relação ao dólar americano saltou de ¥6,71 para ¥6,88, uma desvalorização de 2,5% em 45 dias.
Cabe lembrar que o exercício de desvalorização da moeda deixa os produtos chineses relativamente mais baratos e ainda mais atrativos no mercado internacional. Quanto maior for a insurgência tarifária de Trump, maior será a desvalorização da moeda da China.
Quais os impactos sobre o Brasil e as perspectivas para a economia mundial?
Olhando para o Brasil, por ser um país condicionado basicamente pelo fornecimento de matéria-prima, nosso país ainda não tem sentido de forma mais vigorosa os impactos da guerra comercial. Mas a disputa entrou no radar dos analistas brasileiros, pois pode ter sérias consequências socioeconômicas ao país.
Em primeiro lugar, vamos lembrar que parte do pífio crescimento da economia brasileira, em 2017, partiu do desempenho do setor agrícola, principalmente o exportador.
Se as políticas reativas de Xi Jinping não forem suficientes para diminuir os impactos da guerra comercial sobre a economia chinesa, o Brasil perde parte da força das importações chinesas. Ou seja, menos atividade econômica por lá significa menos atividade econômica por aqui.
Em segundo lugar, já ventilou-se em alguns meios de comunicação que parte do acordo para fazer cessar a guerra comercial promovida por Donald Trump estaria ligada ao aumento das importações de produtos básicos americanos pela China.
Se esse movimento se confirmar, a China compraria mais produtos minerais e agrícolas dos Estados Unidos em detrimento da economia brasileira, que como já foi dito, tem dependido cada vez mais destes setores para alcançar algum crescimento.
Resumindo, a intensificação da guerra comercial pode trazer tantos problemas para o Brasil quanto a resolução do conflito.
Quando nos deparamos com este tipo de armadilha fica evidente que inserir-se no sistema mundial de comércio como país subordinado aos países centrais é o pior dos mundos.
Nos últimos anos o Brasil não se preocupou suficientemente com a modernização do seu tecido produtivo. As sucessivas quedas da produção industrial no Brasil são um indicador claro desse fenômeno. Em outras palavras, permitimos que crescesse e prosperasse o setor agrícola e mineral em detrimento do setor industrial.
Em momentos de forte atividade econômica, como o que tivemos na primeira década dos anos 2000, os problemas ficam submersos por um crescimento que, já sabemos há muito tempo, não é sustentável.
A guerra comercial somente lançou luz a um problema que carregamos desde o começo dos anos 1990. Desse modo, o cenário que se desenha com o avanço da guerra comercial é bastante ruim para o Brasil.
O reflexo desse “estrangulamento produtivo” deve ser um Real ainda mais desvalorizado, portanto, um dólar ainda mais caro.
André Galhardo é economista-chefe da Análise Econômica Consultoria, professor e coordenador universitário nos cursos de Ciências Econômicas. Mestre em Economia Política pela PUC-SP, possui ampla experiência em análise de conjuntura econômica nacional e internacional, com passagens pelo setor público.