Visão Geral
Após apresentar forte deflação mensal os índices de preços parecem voltar à normalidade antes mesmo de a pandemia ser suavizada por aqui.
Há quem diga que esse movimento de deflação mensal visto no IPCA sequer foi sentido pela população de menor renda, o que seria muito ruim agora com os números apontando para cima novamente.
A partir dos dados que já foram divulgados, vamos tentar responder às seguintes perguntas: a variação no índice de preços no Brasil deve seguir qual dinâmica até o final do ano? Essa análise é importante para estimar a taxa básica de juros? Qual o impacto deste movimento sobre o câmbio?
Acompanhe nossa análise a seguir.
Índice de preços ao consumidor
O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) é o índice de preços oficial do Brasil. É a partir dele que o Banco Central avalia se o regime de metas para a inflação está sendo devidamente cumprido.
O indicador que teve média mensal de variação de +0,35% em 2019, começou 2020 com números mais baixos que os vistos no ano anterior. Em 2019, o primeiro bimestre acumulou alta de 0,75% nos preços enquanto que neste ano a alta havia sido de “apenas” 0,46%.
Em março, já sob os efeitos da pandemia sobre a economia doméstica, a variação de preços foi apenas marginal, +0,07%, a menor variação para meses de março de todo o plano real.
Em abril e maio os preços apresentaram quedas de 0,31% e 0,38% respectivamente, perfazendo uma inflação anualizada de 1,88%, a terceira menor da série para todo o plano real.
Por que caiu?
O primeiro apontamento acerca do comportamento do índice de preços no Brasil em 2020 vem da situação geopolítica envolvendo a Rússia e a Arábia Saudita.
Para não me estender demais, farei um breve resumo da situação. Uma disputa acerca do nível de produção mundial de petróleo derrubou a cotação da commodity para o menor patamar da história, criando o que foi chamado de “a pior crise do setor em 100 anos”.
Essa diminuição dos preços do petróleo agiram em favor da derrubada dos preços dos combustíveis por aqui. A disputa euroasiática somada a violenta diminuição de demanda em decorrência das medidas de isolamento fizeram os preços caírem de forma abrupta.
Dentro do IPCA, a categoria de transportes, onde estão presentes os preços da gasolina, diesel e etanol, por exemplo, apresentou deflação nas últimos quatro meses.
As pessoas não sentiram a deflação?
O segundo apontamento vem do comportamento dos preços dos alimentos. Enquanto a maior parte das nove categorias que compõem o IPCA apresentou forte que na leitura mensal, a categoria de alimentação e bebidas trabalhou por impedir que a queda fosse ainda mais abrupta.
Esse movimento aconteceu porque o medo do desabastecimento tal como aconteceu na greve dos caminhoneiros, em 2018, provocou uma corrida aos supermercados. Vai me dizer que não se lembra do pessoal estocando papel higiênico?
Esse aumento de demanda precaucional por produtos alimentícios e de outros gêneros presentes no supermercado provocou um forte aumento do preço dos alimentos e bebidas, impedindo que a população com menor renda pudesse “usufruir” deste movimento de deflação mensal.
Os preços vão subir?
Ainda é cedo para dizer a magnitude da alta dos preços nos próximos meses. Isso depende de uma série de fatores muito importantes como, por exemplo, a força do aumento de demanda, a capacidade de a indústria atender esse aumento do consumo, o grau de concentração dos setores econômicos, que pode ter sido sensivelmente alterada após a pandemia, taxa de câmbio, entre outros.
Por enquanto estamos observando indicadores que podem nos ajudar a estimar com mais assertividade os preços ao consumidor final.
Índices de preços no atacado
Segundo o Fundação Getúlio Vargas (FGV), o índice geral de preços – mercado (IGP-M) apresentou variação de 1,56% no mês de junho, após ter apresentado aumento de +0,28% e +0,80% nos meses de maio e abril, respectivamente.
O IGP-M é composto de preços ao produtor, ao setor de construção e aos consumidores, sendo o primeiro o mais importante deles dentro do indicador.
Enquanto a variação anualizada de preços ao consumidor medida pelo IPCA fechou o mês de maio em 1,88%, dentro do indicador da FGV a variação alcançou 7,31% nos doze meses encerrados no mês de junho.
O repasse de preços do setor atacadista para o setor varejista não está acontecendo forma automática porque a demanda foi profundamente atingida pela pandemia, impedindo que empresários do setor varejista repassem de forma integral o aumento de custos que eventualmente têm recebido.
A taxa Selic
O presidente do Banco Central do Brasil, Roberto Campos Neto, disse acreditar que a recuperação do Brasil se dará em forma de “V”, ou seja, após uma forte retração da atividade econômica o país deve apresentar números fortes de retomada.
O discurso de Neto contrasta com o que foi posto na ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), sobre a qual ficou registrada a possibilidade de uma novo corte residual da taxa de juros.
Caso o presidente da autoridade monetária brasileira perceba que a retomada está se dando de forma rápida e dinâmica, ele e outros membros do Copom podem entender ser dispensável mais cortes na Selic.
Entender esse mecanismo é salutar neste momento, porque a inflação e o nível de atividade econômica são elementos importantes para que Banco Central decida sobre a taxa básica de juros.
E o impacto sobre o câmbio, afinal?
Caso se confirme, um novo corte residual na taxa básica de juros não deve ter impacto significativo no volume de recursos que deve deixar o Brasil em busca de rendimentos mais robustos.
Se a decisão do Copom for de manter inalterada a taxa isso também não nos garante grande aporte de investimentos estrangeiros em busca dos nossos títulos públicos.
De modo geral, a política monetária tem sido menos relevante que a política fiscal e o ambiente político doméstico para determinar a taxa de câmbio no Brasil, e esses dois últimos estão de mal a pior.
A taxa de câmbio se desvalorizou rapidamente e isso pode conduzir a um processo de valorização rápida, como a que vimos no início do mês de junho.
Independentemente do comportamento da inflação, que mesmo tendo algum aumentos nos próximos meses, está sob absoluto controle, e da resposta do Banco Central em reduzir, manter ou aumentar a taxa de juros, o câmbio deve responder mais aos estímulos vindos da política nacional e da situação das contas públicas pós-pandemia.
Temos no radar a possibilidade de valorização da moeda brasileira, com potenciais novos quadros de fortes desvalorizações pontuais à medida em que são divulgados os números das contas públicas e que conhecemos os desdobramentos da delicada situação política do país.
Veremos.