A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 6 de 2019, apresentada à Câmara dos Deputados em fevereiro, trouxe consigo um novo desenho para a Previdência Social. É ela que propõe a Reforma da Previdência. Essa PEC vem na esteira de longas discussões e debates sobre alguns problemas econômicos brasileiros, dentre os quais, a forte desaceleração econômica vivenciada pelo país desde 2014, em especial.
Contudo, a previdência já é alvo de escrutínio há mais tempo. Apesar de divergências quanto à exatidão do tempo que se discute o tema, sabemos que ao menos desde o início do Plano Real se fala em mudanças.
Não à toa, entra governo e sai governo, diversos ajustes foram realizados na previdência pública. Apesar da clara necessidade de propor uma reforma mais profunda para a previdência, a conjuntura dificulta a compreensão do real problema.
Mais ainda, os problemas se confundem: afinal, a reforma da previdência é necessária para retomar o crescimento econômico do país?
Por que a Reforma da Previdência?
Posto que a PEC vem em um momento conturbado da economia brasileira, notamos que o diagnóstico se confunde. Associa-se claramente a reforma com a retomada do crescimento econômico. Entretanto, não há relação de causalidade inequívoca.
É simples compreender isso. Desde 2010, que o governo adotou políticas expansionistas para acelerar o crescimento da economia brasileira. Famílias e empresas se endividaram ao longo do período.
A partir de 2013, os dados começaram a indicar esgotamento do crescimento via consumo. O governo, contudo, insistiu em uma política expansionista. Em 2014, a economia desacelera e a arrecadação cai. Os gastos, por outro lado, continuaram a trajetória de aceleração.
Em 2015, a política econômica adotada passou a ser contracionista, com fortes ajustes fiscais. A partir daí, a economia brasileira registrou dois anos seguidos de forte recessão, a maior de nossa história.
A recessão colocou em evidência a estrutura do gasto público brasileiro. Nesse contexto, a previdência voltou ao centro do debate com mais força.
Quais as expectativas em torno da Reforma da Previdência?
Com a saída de Dilma da presidência, Michel Temer assume em 2016 com a tarefa de colocar a economia nos trilhos. Diversas reformas foram propostas, com especial destaque a:
- Reforma trabalhista: com o objetivo de simplificar o mercado de trabalho, modernizar a legislação e gerar mais emprego;
- Teto de gastos: com o objetivo de limitar o crescente gasto público;
- Reforma da previdência: na esteira do teto de gastos, modificar o regime de previdência social para reduzir o gasto público.
Os dois primeiros projetos passaram, o terceiro, por outro lado, não foi aprovado naquele momento. A conjuntura política se deteriorou com a divulgação de áudios do então presidente Temer e seus correligionários em escândalos de corrupção, o que dificultou a aprovação.
Como a situação econômica, apesar de ter se estabilizado, não melhorou, analistas, consultorias econômicas e agentes de mercado ancoraram as expectativas da retomada econômica com a reforma.
O desempenho do dólar desde as eleições de 2018 evidenciam o quão ancorados estão os agentes de mercado. Em grande medida, com a confirmação da vitória de Bolsonaro nas urnas, o fortalecimento do Real reforçou que o mercado acreditava que a reforma passaria.
A grande questão, contudo, é a relação de causalidade a qual me referi no início desta análise. Como, afinal, a reforma da previdência vai retomar o crescimento econômico, que é urgente e necessário?
Isso nem o mercado explica.
Existem alternativas à Reforma?
Tendo em vista que o principal problema, afinal, é retomar o crescimento econômico, temos que perguntar: a reforma da previdência é a reforma necessária para isso?
Sob nossa perspectiva, não.
É necessário destacar que isto não significa que sejamos contra a reforma da previdência. Pelo contrário. Com o rápido envelhecimento da população, o dinheiro arrecadado dos contribuintes é insuficiente para cobrir os gastos com o pagamento das aposentadorias e pensões.
Desse modo, diversos estudos confirmam que a previdência deve ser ajustada. O problema, como apontamos, é outro. Entre a necessidade de reforma na previdência e de retomada do crescimento econômico há uma lacuna enorme.
Entendemos claramente que, na atual conjuntura, as primeiras ações do Estado deveriam ser em prol da recomposição da demanda. A reforma tributária, por exemplo, é uma das peças mais importantes nesse contexto.
O Brasil possui uma carga tributária altamente regressiva (que pesa mais sobre quem tem menor renda e onera o consumo). Uma reforma que torna-se a tributação brasileira mais progressiva e com menor impacto sobre o consumo auxiliaria famílias, empresas e o próprio governo, que passaria por quedas menores em sua arrecadação.
Em que pé andam as negociações?
De todo modo, a reforma da previdência já está em curso. Apesar de dúvidas e incertezas de uma possível desidratação da reforma apresentada pelo Ministro da Economia, Paulo Guedes, a reforma ocorrerá.
Mais do que o próprio presidente, Guedes é o principal interessado na aprovação da reforma da previdência, uma vez que ela é central em sua agenda de reformas.
E, já há algum tempo Guedes aparece, regularmente, ao lado de Rodrigo Maia (DEM-RJ), deputado e presidente da Câmara dos Deputados.
Isso reforça o sinal de que a reforma está avançando. O problema são justamente os escândalos e polêmicas nas quais o governo se envolve. Esses movimentos preocupam o mercado e ampliam as incertezas e dúvidas.
De forma bastante objetiva, contudo, observamos que as desvalorizações do Real, por ora, não são tanto reflexo da frustração de expectativas com uma eventual não aprovação da reforma, mas uma correção e ajuste com um possível prolongamento das negociações.
Enquanto imaginava-se inicialmente que a reforma seria aprovada até setembro, hoje fala-se em aprová-la em 2020.
Nesse interim, já circula na Câmara uma proposta de reforma tributária. Na quarta-feira (22), a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aprovou a admissibilidade da reforma tributária, que agora passará por análise de uma comissão especial.
Neste sentido, a disputa pelo apoio popular e a tentativa de obscurecer a pecha de velha política dado pelo governo ao Congresso Nacional, deputados e senadores apostam em uma reforma tão grandiosa quanto poderia ser a reforma da previdência.
Uma parcela significativa dos parlamentares acredita no potencial que a reforma da previdência tem sobre a normalização das contas públicas e, diante disso, querem também apresentar projetos capazes de alterar a estrutura fiscal e ajudar a eliminar os sucessivos e crescentes déficits da União.
Portanto, devido a uma disputa entre os poderes, o Brasil poderá encontrar não uma, mas duas grandes reformas até que o ano termine. O maniqueísmo brasileiro deu “de presente” a possibilidade de uma segunda reforma ainda em 2019.
Câmbio e perspectivas no mercado
Como diz o ditado, “o mercado sobe no boato e cai no fato”.
Os acontecimentos políticos dos últimos meses causaram grandes flutuações cambiais e esse movimento deve permanecer nas próximas semanas.
Se, por um lado, a reforma da previdência e tributária poderiam trazer maior estabilidade ao valor da nossa moeda frente ao Dólar americano, por outro, o desenrolar da tramitação destas matérias trará grandes disputas entre os poderes Legislativo e Executivo. Haverá nos próximos dias um imenso jogo de perde e ganha.
Para cada nova vitória ou derrota do Executivo surgirão novas valorizações e desvalorizações da nossa moeda.
Lembrando sempre que os movimentos de desvalorização cambial serão agravados pelas tensões comerciais e geopolíticas causadas pelos Estados Unidos e China.
A tendência de desvalorização do Real permanece.
Seguimos de olho.
André Galhardo é economista-chefe da Análise Econômica Consultoria, professor e coordenador universitário nos cursos de Ciências Econômicas. Mestre em Economia Política pela PUC-SP, possui ampla experiência em análise de conjuntura econômica nacional e internacional, com passagens pelo setor público.