“A segunda onda e a segunda recuperação europeia”, por André Galhardo

Continente Europeu, um dos primeiros a experimentar os problemas da pandemia do novo coronavírus, se viu envolta a uma segunda onda, aparentemente mais aguda que a primeira.

Os últimos dados apontam que, a despeito da explosão do número de casos, a segunda onda parece menos duradoura e isso pode significar menor exposição da atividade econômica ao risco de paralisação.

Diante de tal cenário, precisamos tentar responder a três perguntas importantes: a economia da Zona do Euro está preparada para a segunda onda? Quais são os efeitos das novas medidas de distanciamento social sobre as economia do bloco? E, por fim, quais os impactos sobre a economia brasileira e o Real.

Acompanhe nossa análise a seguir.

Números da pandemia

Parecia-nos que as cenas lamentáveis que foram vistas no sistema de saúde italiano seriam os últimos registros de uma situação calamitosa vindo do continente europeu, estávamos enganados.

Depois de ficar meses com o número de contágio em relativa estabilidade, os países que compõem a Zona do Euro voltaram a apresentar dados que surpreenderam a todos.

A França atingiu o maior número de casos diários em 7 de novembro, com 86.852 casos. No “auge” da pandemia, em março-abril o maior número de casos diários na França havia sido no dia 31 de março, com pouco mais de 7,5 mil infectados.

Na Itália, um dos países mais atingidos pela pandemia e terceira maior economia da Zona do Euro, o pico de infecções diárias foi registrado no dia 13 de novembro com pouco mais de 40 mil casos, muito acima do pico anterior, que havia sido de 6.557 casos em 21 de março.

Na Alemanha, maior economia europeia, o pico aconteceu agora, 20 de novembro. Foram 23.648 caos em um único dia, muito acima do patamar de 6 mil casos diários, visto entre os meses de março e abril.

Para cada uma das três maiores economias do bloco econômico europeu o aumento do volume de casos diários e a consequente pressão sobre o sistema de saúde, obrigou os governos a impor medidas de distanciamento social.

Como a segunda onda ainda está em curso na Europa, resta-nos avaliar os impactos da mesma sobre o nível de atividade econômica e verificar os possíveis impactos sobre a economia brasileira.

Indicadores antecedentes

Os indicadores econômicos oficiais como o sistema de contas nacionais trimestrais, apresentam uma importante defasagem temporal em relação à publicação.

Os resultados do PIB são divulgados quase dois meses após o encerramento do trimestre avaliado, o que nos leva a observar o comportamento dos setores de forma individualizada. O volume de serviços oferecidos e bens materiais produzidos e vendidos e o nível de desemprego, são alguns exemplos.

Para além dos indicadores setoriais oficiais, é comum avaliar o desempenho da economia a partir de dados que servem com proxy para os números oficiais. Um destes indicadores é o purchasing managers’ index (PMI), que visa estimar o nível de atividade econômica a partir da compilação de respostas oferecidas por gerentes de compras ou equivalente dentro das empresas.

Segundo a Markit, uma das consultorias responsáveis pela publicação do indicador, a economia da Zona do Euro caiu ao menor nível desde junho deste ano, quando observamos o indicador composto, ou seja, considerando todos os setores.

Quando o PMI fica abaixo de 50 significa contração da economia, acima disso, há expansão da atividade. Dados de novembro indicam que pela primeira vez em cinco meses a economia europeia está em processo de contração.

O indicador composto foi fortemente impactado pelo desempenho do setor de serviços, que normalmente tem sido o setor mais prejudicado pela pandemia. Segundo a Markit o PMI do setor ficou em 41,3, patamar mais baixo desde o meio do ano.

Individualmente, é possível ver um movimento bastante disseminado de diminuição do ritmo de atividade dentro do continente. Alemanha e França veem seus setores de serviços caírem ao menor nível desde o meio do ano.

A boa notícia vem do setor industrial, cujos PMIs têm apontado para expansão nos últimos meses, indicando que há uma assimetria do impacto da pandemia sobre as atividades econômicas.

Relação com o Brasil

Segundo dados do Ministério da Economia, de janeiro a outubro deste ano a Zona do Euro foi o nosso segundo principal parceiro comercial.

No acumulado dos dez primeiros meses o Brasil exportou à Zona do Euro mais de US$ 22,3 bilhões, muito acima dos US$ 17,1 bilhões exportados aos Estados Unidos, nosso terceiro maior parceiro.

No que diz respeito às importações, foram cerca de US$ 19,1 bilhões trazidos da Zona do Euro entre janeiro e outubro deste ano, o que nos ajudou a construir um superávit comercial de aproximadamente US$ 3,3 bilhões. Apenas a título de comparação, o saldo comercial com os Estados Unidos, nos mesmos termos, está deficitário em cerca de US$ 3 bilhões.

As importações dependem diretamente do nível de atividade econômica de cada país. Se o país está crescendo, maiores são a demanda por insumos, matérias primas e produtos acabados. 

Com o impacto de uma segunda onda de coronavírus na Europa, a tendência é que o volume de importações europeias perca dinamismo e isso pode impactar diretamente o Brasil, afinal, mais que a construção de superávits comerciais, quando o volume de exportações brasileiras diminuem isso significa também que há menor oferta de empregos e, consequentemente, menor dinamismo econômico.

Observar o volume de recursos que ingressam o Brasil por meio das negociações comerciais é muito importante neste momento porque quando olhamos para o saldo de divisas trocadas no segmento do mercado financeiro a conta tem sido fortemente deficitária em desfavor do Brasil.

Impacto no câmbio

O número de casos de covid-19 na Europa são bastante ambíguos. Enquanto o nível de novas infecções tem caído rapidamente na França, o caso parece ser um pouco mais consistente na Alemanha.

E os primeiros números antecedentes mostram que podem haver alguma suavização da queda em função de a indústria estar mais resilientes neste momento.

Ocorre que, a despeito da valorização da moeda brasileira vista há alguns dias, esse movimento está ligado às notícias de potenciais vacinas e da resolução do imbróglio político nos Estados Unidos.

Caso se confirme um aprofundamento da crise econômica no continente europeu, isso pode contribuir com a saída de recursos estrangeiro do Brasil, movimento que já vem acontecendo fortemente desde o ano passado.

Veremos.

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