A economia é uma ciência social. E como toda ciência social sua base são as relações sociais e de poder entre pessoas, grupos e instituições. É a isso que chamamos, desde os tempos do bom e velho Adam Smith, de Economia Política.
A lição fundamental de Smith é a divisão social do trabalho. As pessoas organizam a produção e distribuição de mercadorias de tal sorte que cada indivíduo ou grupo se especializa em uma tarefa ou atividade. Essa divisão eleva a chamada produtividade.
Nessa seara da divisão do trabalho, algumas tarefas também foram internacionalmente distribuídas. O saudoso Celso Furtado, por exemplo, foi um dos grandes expoentes no campo de estudo da divisão internacional do trabalho.
Simplificando o raciocínio, o ponto alto desta reflexão é que em determinada altura da construção da divisão internacional do trabalho, o Brasil entra na jogada como um fornecedor de matérias primas.
Passamos pelo Pau-Brasil, pela cana-de-açúcar, pelo ouro, pela borracha, pelo café. Na atualidade das modernas cadeias globais de valor, o Brasil se insere como fornecedor de uma pauta mais ampla de produtos, contudo, uma pauta composta majoritariamente por commodities.
Há uma série de problemas, fartamente explorados na literatura econômica, de países dominados pela produção e distribuição de commodities com diversos reflexos sobre indicadores como câmbio, por exemplo. Não obstante, o Brasil é um líder absoluto, rendendo-nos o título de “fazenda do mundo”.
Ademais, nem só de café, trigo e soja se faz um mercado de commodities. O mercado de minérios é uma grande força no comércio internacional. E o Brasil também tem grande importância.
Mercado de Minérios
Dentre as vinte maiores mineradoras do mundo em valor de mercado, a presença marcante dos países emergentes como China e Brasil se faz sentir. A Índia é representada apenas pela NMDC, uma estatal que está em 14º lugar. Hoje as mineradoras destes três países já correspondem a 35% do market value das 20 maiores mineradoras do mundo.
Na lista das gigantes, a australiana BHP é isoladamente a maior do mundo, seguida pela brasileira Vale. O Brasil tem também a CSN entre as 20 maiores aparecendo na frente de outras gigantes.
A Vale, a maior do Brasil e segunda maior do mundo, tem um grande potencial. Poderia ser ainda maior e, eventualmente, líder global. Mas o descaso da Vale, ao não investir na qualidade, na prevenção e no seu pessoal – somada a outras variáveis -, é a responsável pelo seu desempenho e, infelizmente, pela maior catástrofe da nossa história.
Três anos após o crime ambiental de Mariana, município localizado no estado de Minas Gerais, a Vale foi reincidente. Na ocasião, faça-se alguma “justiça’, a culpa foi compartilhada. O crime foi cometido pela Samarco, uma joint-venture entre a BHP e a Vale.
Mas, por que isso aconteceu?
Essencialmente, o trabalho das mineradoras é escavar e retirar os minérios que estão na terra. O minério de ferro é a matéria-prima para a fabricação do aço, base de diversas indústrias, como a de carros e eletrodomésticos, e também da construção civil.
Ele é um conjunto de materiais, rico no elemento químico ferro. Quando tais materiais são extraídos das rochas, as mineradoras separam o minério do material sem valor comercial. Estes materiais sem valor comercial são chamados rejeitos, ou seja, o que sobra quando se usa água para separar o minério de ferro das rochas.
Este processo é chamado de beneficiamento e é o jeito mais barato de ser feito. Os rejeitos são compostos por minérios com baixa concentração de ferro e, portanto, considerados pobres, além de areia e água, proporcionando o aspecto de lama.
As barragens de contenção, como a que estourou em Mariana e, mais recente, em Brumadinho, são estruturas utilizadas para armazenar os rejeitos. É o método mais antigo, simples e barato.
Em termos práticos, tais barragens são diques, feitos a partir de solo compactado, blocos de rocha ou do próprio rejeito, construídos para barrar a lama. À medida que o reservatório vai enchendo, novas camadas de barragem são construídas. Este processo de adição de novas camadas é chamado de alteamento.
Alguns processos de beneficiamento mais modernos não utilizam água e, consequentemente, não necessitam de barragem de rejeitos nos moldes utilizados em Mariana e Brumadinho.
Especialistas afirmam que se a Vale tivesse investido em uma equipe multidisciplinar de qualidade, com geólogos, geofísicos e engenheiros cuja função seria a de uma contínua auditagem em todas as suas barragens, Mariana e Brumadinho não teriam acontecido.
Por mais que a mineradora tente negar e colocar a culpa em empresas contratadas, é dela a responsabilidade final, e é ela que aprova os laudos feitos internamente e por terceiros. Desse modo, por conta de uma incompetência, vidas se perderam.
Impactos vão além do Mercado Financeiro
Devemos destacar que existem 1.124 reservatórios de alto risco no país, 2.986 de baixo risco (como eram classificados Brumadinho e Mariana) e 24.092 barragens no país. A Agência Nacional de Águas (ANA), responsável pela fiscalização, tem apenas 154 funcionários para fiscalizá-las.
A Vale tem 56 barragens de alto potencial de dano, maior parte localizada em Minas Gerais. Após reunião com os ministros de Minas e Energia, Bento Albuquerque, e do Meio Ambiente, Ricardos Salles, o presidente da Vale, Fabio Schvartsman, anunciou na terça-feira (29/01) que a empresa vai acabar com dez barragens, como a que se rompeu em Brumadinho, nos arredores de Belo Horizonte.
Cabe lembrar que os eventos tiveram um impacto gigantesco sobre o valor de mercado da Vale. Desde a abertura do mercado após o crime de Brumadinho, a Vale perdeu quase 25% de seu valor de mercado.
Mas, tal como apontado ao longo do texto, os impactos vão além do mercado financeiro. Nosso índice de câmbio registrou a valorização do real no cenário de curto prazo. Tal movimento é resultado da janela de oportunidade que se abriu para o investidor estrangeiro com a queda brusca da Vale associada à desaceleração da economia chinesa e europeia.
Tais eventos devem trazer impactos na atividade econômica nacional. O crescimento do produto nacional esteve excessivamente pautado nas exportações nos últimos trimestres e esse motor pode ter a sua potência diminuída com a volatilidade do preço das commodities, com a valorização cambial e agora por problemas estruturais inerentes ao setor.
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André Galhardo é economista-chefe da Análise Econômica Consultoria, professor e coordenador universitário nos cursos de Ciências Econômicas. Mestre em Economia Política pela PUC-SP, possui ampla experiência em análise de conjuntura econômica nacional e internacional, com passagens pelo setor público.