O Banco Central Europeu (BCE) decidiu nesta semana diminuir, ainda mais, a taxa de remuneração dos depósito dos bancos comerciais junto a autoridade monetária. Agora a taxa é negativa em 0,5%, em uma clara tentativa de obrigar os bancos a emprestar seus excedentes a deixá-los parados junto ao BCE.
A tentativa do BCE é colocar o máximo de dinheiro a disposição das empresas e das pessoas e, a partir disso, estimular o consumo, e os preços.
O que o BCE parece ter esquecido é que essa política tem sido adotada há mais de dez anos e os resultados são muito questionáveis. Por que desta vez os resultados serão melhores? A influência do Estado será forte suficiente para enfrentar os efeitos da guerra comercial travada por China e Estados Unidos e sentida por todos os países?
O problema do preço baixo…
O novo intento do BCE visa dar algum estímulo à atividade econômica da Zona do Euro, que vive às voltas com um crescimento anêmico e graves problemas de inflação insuficiente.
À primeira vista, pode ser difícil explicar para quem mora no Brasil um problema ligado à baixa inflação ou até mesmo deflação, mas essa é uma das principais preocupações do BCE desde 2008.
No mesmo dia em que a autoridade monetária optou por tentar injetar ainda mais dinheiro na economia europeia, ficou conhecida a variação de preços da maior economia da Zona do Euro, a Alemanha.
Segundo o escritório de estatística alemão os preços do mês de agosto foram menores que os de julho de 2019 em 0,2%, ou seja, deflação mensal de 0,2%. Com esse resultado a inflação anual recuou de 1,7% em julho para 1,4% no mês de agosto.
Sabe o que é pior nisso tudo?
A inflação da Alemanha teria sido ainda menor em agosto se não fossem os aumentos dos preços dos alimentos e dos combustíveis. Esse é um claro sinal de forte desaceleração.
Em suma, porque a deflação é uma problema? Ela indica que não há consumo suficiente, ou seja, a atividade econômica pode estar em sério declínio e isso requer uma política fiscal, monetária, creditícia ou cambial mais ativa por parte das autoridades.
Produção industrial negativa na Zona do Euro
Prova da desaceleração foram os números divulgados, também na quinta-feira (12), sobre a produção industrial da Zona do Euro. Segundo a Eurostat, a produção da indústria ficou negativa em 0,4% no mês de julho. Em termos anuais a variação ficou negativa em 2,0%, computando a nona queda seguida, o que não acontecia desde o ano de 2013, no auge dos desdobramentos da crise da dívida soberana da Grécia.
Apesar do aumento marginal do PIB no segundo trimestre de 2019 (+0,2%), trata-se do menor crescimento trimestral desde o último trimestre de 2013, e o pior é que o movimento está encabeçado por duas das mais importantes economias da Zona do Euro, Alemanha e Itália.
Reflexo da desaceleração econômica está impresso no mercado de trabalho que ainda está em expansão, mas a taxa cada vez menores e, diga-se de passagem, insuficientes para resolver o grave problema pelo qual passam alguns membros da União Europeia.
Estados Unidos de “mãos atadas”?
O Banco Central Europeu já indicou que agirá em favor de taxa de juros cada vez menores e políticas monetária e creditícias cada vez mais flexíveis, ou seja, tentará, a todo custo injetar dinheiro na economia europeia.
O entendimento do BCE a favor de estímulos monetários é o mesmo do Federal Reserve (FED), do Bank of Japan (BoJ) e outros importantes bancos centrais ao redor do mundo.
As ações do BCE e do FED nos últimos dias indicam que, a despeito do crescimento, ainda robusto, dos Estados Unidos e do crescimento marginal do produto na Zona do Euro, um problema mais sério pode estar no radar das autoridades, e o que os bancos estão fazendo agora é tomando a dianteira, agindo propositivamente.
O problema maior é que a nova (possível) crise chegará antes de a última ter ido embora de verdade.
Os mecanismos de estímulo monetário ainda estão ligados e mal podem ser mais estimulantes do que são agora, ou seja, se, de fato, a guerra comercial for o estopim de uma nova grande reciclagem de capitais, os Estados estão de mão atadas.
Perspectivas
De modo geral, se o entendimento do BCE é conduzir uma política monetária para resolver o grave problema econômico que tem se estruturado no continente europeu, então ele tem muito o que fazer.
E o pior é não ter certeza de que as políticas do banco trarão os resultados esperados. Essa não é só uma dúvida minha ou sua, é do BCE também.
Em terras tupiniquins, a despeito dos alívios das pressões sobre o câmbio, em função das notícias sobre as reformas de âmbito fiscal e tributário, o Real sofrerá com os movimentos globais, porque, na verdade, os países não estão totalmente de mãos atadas, eles ainda têm ao seu dispor uma ferramenta poderosa, o câmbio, e nessa briga o Brasil tem muito a perder.
Veremos!
André Galhardo é economista-chefe da Análise Econômica Consultoria, professor e coordenador universitário nos cursos de Ciências Econômicas. Mestre em Economia Política pela PUC-SP, possui ampla experiência em análise de conjuntura econômica nacional e internacional, com passagens pelo setor público.