A semana foi marcada por uma série de variáveis políticas que imprimiram volatilidade ao mercado global. Dentre esses principais elementos, sem dúvida o ponto alto foi a eleição de Boris Johnson como líder do Partido Conservador e Primeiro-Ministro do Reino Unido.
A ascensão de Johnson mostra que a investida conservadora ainda está em alta no mundo todo. A vitória do ex-prefeito de Londres é muito mais que uma vitória do movimento pró-Brexit. É a cristalização da guinada eurocética, que agora passa a ter ferramentas para consolidar o demorado processo de divórcio entre Reino Unido e União Europeia.
Revisitando o Brexit
Os dilemas entre Reino Unido e União Europeia são antigos. A União Europeia é um grupo formado por 28 países europeus que praticam livre comércio entre si e, além disso, tornam mais fácil as regras para o trânsito de pessoas que buscam trabalhar e morar em qualquer parte dos países que compõem o bloco.
O Reino Unido se tornou parte da chamada Comunidade Econômica Europeia (CEE) em 1973. Mas não podemos esquecer que os britânicos sempre tiveram um pé atrás com o grupo. O grupo recebeu o nome de União Europeia em 1993, com o tratado de Maastricht, mas os britânicos não estão entre os signatários do tratado que também criou a zona do euro e a moeda única do bloco.
Em 23 de junho de 2016, o ex-primeiro ministro David Cameron propôs um Plebiscito para os britânicos, para consultar a população se o Reino Unido deveria permanecer ou deixar a União Europeia. A maioria (52%) decidiu que o país deveria deixar o bloco. E, assim, foi dada a largada para o Brexit.
O desafio desde então tem sido com relação aos termos em que se daria o divórcio. Dentre os principais pontos de divergência, destaca-se a questão entre a fronteira da Irlanda do Norte (que é parte do Reino Unido) e a fronteira da República da Irlanda (que é um país independente e parte da União Europeia).
Mudanças na prática
Boris Johnson foi escolhido como líder dentro do Partido Conservador e já fez mudanças profundas no espectro político da ilha. De pronto, Johnson já alterou profundamente os quadros que integravam o governo da ex-premiê Theresa May.
Entre os nomes escalados por Johnson está Dominic Raab. Agora Ministro das Relações exteriores e vice-primeiro-ministro, Raab que também é pró-Brexit, já defendeu votar os termos da saída britânica à revelia do Parlamento Inglês. Raab e outros políticos escalados por Johnson representam uma quebra de paradigmas em relação às ideias de May.
Enquanto May tentou se esforçar para dar alguma segurança econômica e institucional pós-Brexit, Boris Johnson deve construir nos próximos dias uma retórica em torno da ideia de que o Brexit virá, mesmo que sem algum acordo que preserve algumas relações comerciais entre o continente e o Reino Unido.
A chegada de Johnson ao posto de primeiro-ministro é um recado de que o sentimento eurocético continua crescendo. Mais ainda, que agora tem um novo e poderoso aliado que tentará provar ao mundo que deixar a União Europeia não é uma loucura. Se vitorioso, Johnson terá o potencial de arrastar com ele outros tantos governos que já estão inclinados ao processo de retirada do bloco europeu.
Uma saída sem acordo, o chamado Hard Brexit, pode – e deve – ter desdobramentos graves para a economia do Reino Unido. Contudo, Johnson e seus correligionários parecem ou não crer ou não se importar muito com isso.
Especialistas apontam filas intermináveis de caminhões em Zonas Aduaneiras, fortes problemas de abastecimento, inclusive de alimentos, aumento no custo unitário do trabalho e outros fatores potencialmente desestabilizadores para a economia britânica
A cada novo passo, a cada novo discurso, Johnson deixará mais claro que a data final é de fato o dia 31 de outubro deste ano – a exemplo do que já foi dito em seu primeiro discurso como Primeiro Ministro. E, com isso, podemos asseverar que o desgaste da economia do Reino Unido será sentido nos mercados financeiros e de câmbio.
Perspectivas para o câmbio
Não foi à toa que, em meio a tudo isso, o principal índice da bolsa de Londres, o FTSE 100, registrou o maior recuo desde o último dia 31 de maio (-0,73%), após o anúncio da vitória de Boris Johnson.
Com relação ao mercado financeiro e o câmbio, ainda é cedo para apontar direções mais claras. Apesar disso, o mercado já percebe que um Hard Brexit será um desastre para a economia do Reino Unido. Em posse dessas expectativas, haverá muita especulação, que resultará em caminhos ambíguos e crescimento das incertezas nos meses que se seguem.
O que se sabe é que no curto e médio prazo sofrem as empresas do Reino Unido e sofre a Libra Esterlina, e no longo prazo, uma avalanche eurocética pode trazer problemas para a já cambaleante economia europeia.
Apesar de paradoxal, neste cenário de longo prazo sofrerão os países subdesenvolvidos como o Brasil.
Seguimos de olho.
André Galhardo é economista-chefe da Análise Econômica Consultoria, professor e coordenador universitário nos cursos de Ciências Econômicas. Mestre em Economia Política pela PUC-SP, possui ampla experiência em análise de conjuntura econômica nacional e internacional, com passagens pelo setor público.