Você já deve ter ouvido (muito) que na semana passada o Banco Central do Brasil decidiu, por unanimidade, aumentar a taxa de juro anual de 2% para 2,75%.
O aumento da taxa foi amplamente discutido por aqueles que, como eu, acharam que foi uma atitude precipitada e por aqueles que endossaram a decisão da autoridade monetária em aumentar a Selic.
Além do aumento da taxa de juro, chamou a atenção do mercado a aposta do Banco Central de que o Brasil está no caminho certo para a recuperação econômica e que, inclusive, já tem mostrado sinais de que há, segundo dados do último trimestre de 2020, uma recuperação consistente da economia.
Será mesmo que o processo de retomada promete ser tão consistente como aponta o Banco Central? A decisão de aumentar os juros deve mesmo ancorar as expectativas dos agentes?
Acompanhe nossa análise a seguir.
O sonho brasileiro
Começarei falando do título deste artigo. É claro que ele faz referência ao ethos americano da possibilidade de ter uma vida próspera e que evolui à medida em que se trabalha para isso. No entanto, para o nosso caso, o título chama a atenção para o excesso de otimismo do Banco Central.
A autoridade monetária do Brasil ratificou na ata da 237ª reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), o entendimento de que a economia apresenta sinais claros de recuperação da atividade econômica, conforme já havia sinalizado no comunicado divulgado no dia da decisão da política monetária.
No entanto, como está escrito na ata, a economia mostrava – pretérito – sinais de recuperação. Ao não levar em consideração alguns indicadores de janeiro e principalmente de fevereiro e março, o Bacen parece descrever outra economia e não a brasileira.
Nos primeiros dias de 2021 a média móvel de mortes em sete dias era cerca de 25% dos números registrados nos últimos dias de março, enquanto a média de novas infecções era inferior à metade das médias móveis registradas na penúltima semana do mês corrente.
Mas engana-se que um eventual aumento no ritmo de imunização poderia trazer de volta a nossa capacidade de sair dessa crise que atingiu a todos os países do mundo. Esse otimismo relatado pelo Bacen, outros órgãos e agentes, parece dar voz apenas a uma vontade, mas não resistiria aos fatos da experiência. E o motivo de tamanho realismo da minha parte é muito simples.
Quem compra?
São diversos os fatores que explicam a projeção de números mais fracos para uma eventual retomada no segundo semestre deste ano.
Um deles, talvez um dos mais importantes, está ligado ao desempenho do mercado de trabalho, que há muito já vinha adoecido, mas que teve a situação amplamente prejudicada pela pandemia.
Segundo dados do IBGE, o Brasil contava com quase 14 milhões de pessoas desocupadas no último trimestre de 2020. O número só não é mais grave em função da importante diminuição da força de trabalho, ou seja, muitas pessoas que antes estavam ocupadas ou estavam em busca de um trabalho, agora não entram nas estatísticas oficiais porque não estão mais em busca de recolocação no mercado.
Se adicionarmos ao contingente de desocupados aqueles que estão subempregados, ou seja, aqueles com insuficiência de horas trabalhadas, e a força de trabalho potencial no Brasil, temos cerca de 32 milhões de habitantes.
Além dos efeitos óbvios da pandemia sobre o mercado de trabalho e o problema crônico que já era enfrentado antes de 2020, nós temos uma compressão da massa de rendimento daqueles que estão trabalhando.
Obviamente, se o volume de pessoas empregadas diminui, diminui com ele a massa de rendimento, mas um outro fator também tem agido pela diminuição da massa salarial. O excesso de pessoas desempregadas criou uma pressão baixista para o nível de salário para aqueles que estão empregados, ou seja, quem está trabalhando eventualmente tem recebido menos por isso.
Neste cenário de mercado de trabalho extremamente enfraquecido, quem investirá para aumentar o nível de produção?
Da mesma forma que estão contando com um aumento da poupança precaucional por parte dos consumidores em geral, haverá também hesitação na retomada dos investimentos e geração de empregos mesmo em caso de um ambiente de controle quase absoluto da pandemia no país.
Afinal, “não tem” quem compre!
Prognóstico
Neste sentido, de que a retomada econômica deve ser lenta e gradual no país, é importante destacar que existe um risco de fluxos anêmicos de investimento estrangeiro em direção ao Brasil.
Esse movimento já estava no radar antes mesmo do início da pandemia na China, em 2019, e agora se agravou em função da propagação do vírus para o resto do mundo e da intensificação do número de casos e mortes no Brasil.
Este aspecto conjuntural exigiria um amplo esforço do Banco Central para atrair capital estrangeiro via aumento da taxa de juros e a diminuição significativa do ruído político no Brasil.
Só não podemos esquecer que esse “amplo esforço” empreendido pelo Banco Central tem potencial de desacelerar a já combalida atividade econômica.
A retomada consistente que à qual o Banco Central fez referência em seus últimos comunicados, está mais perto de uma aposta otimista que da análise fria dos indicadores relativos a 2021 e da construção de cenário que contemple os acontecimentos das últimas semanas.
Veremos.