Motivos para nos deixarem preocupados não faltam. Mesmo porque, ninguém morre de tédio no Brasil. E, veja bem, 2019 está bem movimentado no cenário exterior também: guerra comercial entre China e EUA, conflitos com o Fed e, como sempre, o Brexit.
Se você já pensou na famigerada guerra comercial entre EUA e China, concordo com você. Mas é bom lembrar mais um motivo que tem deixado o mercado mundial contrariado e até um pouco mal-humorado: o Fed, o banco central norte-americano.
Vamos aos fatos mais recentes: em 2018, o Fed elevou os juros em quatro oportunidades ao longo do ano. Já a partir do fim do ano, mudou o discurso para um tom de cautela e tem deixado os juros estáveis. Na última reunião, bem no início do mês de maio, o Fed optou novamente por manter a taxa de juros no mesmo patamar, entre 2,25% e 2,50%. E mais do que isso, não pretende alterar este valor até o fim do ano.
O mantra paciência é ventilado a quatro ventos continuamente. Mas tal postura não tem agradado investidores, nem Donald Trump, que acreditam que novas reduções na taxa de juros sejam necessárias, como uma forma de estimular a economia.
O vício
Na verdade, o que tem ocorrido é que todos ficaram “viciados” em estímulos monetários como uma forma de fomentar e movimentar o cenário econômico mundial.
Desde 2008, o quantative easing foi utilizado para combater as recessões econômicas e aumentar a circulação de dinheiro no cenário exterior.
Mas como isso ocorre de fato? Os Bancos Centrais “criam” uma quantidade de dinheiro artificialmente e utilizam essas reservas extras para comprar vários títulos públicos ou privados no mercado. Na sequência, os bancos também vendem seus títulos em troca de dinheiro e assim, aumentam a liquidez no sistema bancário. Portanto, mais dinheiro para emprestar e girar a economia…o ciclo econômico gira.
E quando o Fed opta por manter o posicionamento neutro em relação aos juros – que está longe de ser zero, como o mais desejado – deixa os investidores de mal humor e receosos com a condução da política monetária.
Economia em cautela
Além de mudanças nos juros, há outros recursos utilizados pelos bancos centrais, como a gestão dos títulos dita acima. Mas ainda assim, a grande contestação é se esse ritmo de estímulos e auxílio oferecido pelos bancos centrais será suficiente para manter o crescimento dos países, que ainda tem a guerra comercial como fator agravante no cenário exterior.
Essa semana o Banco Central Chinês (PBOC) fez a sua maior injeção de liquidez, no ano, no mercado bancário. É uma indicação clara de que as autoridades chinesas já estão se preparando para conter uma desaceleração.
Enquanto o Fed está gerenciando a sua carteira de títulos, apesar de não enxergar uma enxerga uma recessão econômica pela frente, nem para os próximos anos.
Contudo, os investidores estão sim bem mais cautelosos. Na quarta-feira (29), vimos um movimento de busca por ativos mais seguros como as treasuries americanas, levando seus rendimentos para níveis mais baixos em vários anos, no que parece uma nova onda de aversão ao risco. O movimento indica uma inversão da curva de juros.
Esta inversão é significativa. Quando o spread entre a parte curta e a longa da curva de juros americana fica negativo, há a contradição de que o custo do dinheiro no longo prazo deveria ser maior do que no curto. Portanto, é um indicador de que há sim probabilidade de uma recessão na economia americana.
É para fugirmos para as montanhas?
Acredito que ainda não seja o caso e boa parte se dá por aversões ao risco no curto prazo. É claro que o crescimento dos países não seguirá tão forte como vimos nos últimos anos.
Mas apenas essa expectativa faz com que os ativos tidos como mais seguros sejam buscados. Não apenas as treasuries, mas também o dólar.
Portanto, atenção aos possíveis fortalecimentos da moeda americana a cada novo movimento de aversão ao risco ou sinalização de que os incentivos financeiros por parte dos bancos centrais possam ser reduzidos, já que esta é a droga preferida dos investidores para manter o ritmo de crescimento.
Glenda Mara Ferreira é Economista, bacharel em Relações Internacionais com experiência em planejamento financeiro. Atualmente é especialista em investimentos na Levante e acabou de inaugurar um Instagram sobre finanças pessoais e economia: @glendamaraf.