Nesta semana os Estados Unidos anunciaram uma sobretaxa sobre o aço brasileiro e argentino, como reação à desvalorização do Real e do Peso. Entenda as razões pelas quais o país foi parar na guerra comercial entre Estados Unidos e China e quais os impactos disto para a nossa economia.
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, acusa o Brasil e a ‘pobre’ Argentina de desvalorizar artificialmente seus câmbios a fim de obter vantagens no intercâmbio de mercadoria entre os países. ‘Pobre’ Argentina porque se os nossos vizinho tivessem a possibilidade de controlar o câmbio, os mesmos o teriam feito. Se pode atribuir importante relevância na derrota de Mauricio Macri nas últimas eleições, justamente pela maxidesvalorização cambial ocorrida por lá.
O que dizer então do Brasil? No último dia 2 de dezembro atingimos o menor volume de reservas internacionais desde 28 de dezembro de 2016, o Banco Central tem interferido de maneira significativa no mercado a fim de diminuir a intensidade das desvalorizações do Real.
O Brasil, que antes já estava inserido na guerra comercial de forma indireta, agora encontra-se com os dois pés nela. O que esperar de tudo isso?
Como e por que entramos na guerra comercial
O fato é que Trump já está em campanha política, ao agir de forma arrogante com seus principais parceiros comerciais, espera conseguir apoio de um eleitorado cujo anseio é justamente o de quebrar a lógica que foi estabelecido nas últimas décadas.
Não faz o menor sentido acusar a Argentina e o Brasil de desvalorizarem suas moedas de forma proposital. Ambos os países tentaram de tudo, e mais um pouco, conter o avanço do valor do dólar sobre suas respectivas moedas.
O Brasil ‘queimou’ nada menos que US$ 23 bilhões entre os dias 02 de agosto e 02 de dezembro. Em doze meses a perda de reservas é de aproximadamente US$ 15,7 bilhões, atenuado pelo incremento das reservas ocorrido no primeiro semestre. A Argentina sequer tem mais reservas internacionais ao seus dispor, a taxa de juro por lá chegou aos 73% na tentativa, fracassada, de trazer mais dólares ao país e evitar que o Peso argentino se desvalorizasse ainda mais.
Neste contexto, só nos resta entender que a agressão comercial unilateral empreendida por Trump busca atingir objetivos eleitorais.
Prova cabal disso são as declarações que ele tem dado nas últimas semanas, em tom sempre depreciativo e ameaçador como, por exemplo, a declaração feita na última semana “O acordo de comércio com a China depende de uma coisa: será que estou interessado em fazê-lo?”.
Em muitas oportunidades nós destacamos que a guerra comercial veio para ficar. Não faz sentido dizer que o acordo da Fase Um traria qualquer mudança significativa para a tensão que se estabeleceu entre os governos de Trump e Jinping. Portanto, o que era ruim, deve ficar ainda pior, Trump em campanha promete ainda mais surpresas para a China, Europa e agora para o Brasil.
Como estão as nossas contas externas?
Primeiramente, é importante destacarmos que do ponto de vista das contas externas o Brasil vai muito bem. A despeito do uso das reservas internacionais, o volume de recursos ainda está acima da reserva de segurança indicada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).
Do ponto de vista da balança comercial, a despeito do saldo ser sensivelmente inferior ao resultado do ano passado, o Brasil apresentou, de janeiro a novembro, um saldo comercial de US$ 41 bilhões, inferior aos três últimos anos, é verdade, mas acima do verificado nos últimos nove anos.
Quando falamos de investimento direto no país (IDP), nos últimos doze meses o Brasil recebeu USD 79,5 bilhões, número abaixo da média recebida em 2011 (USD 103 bilhões), mas acima da média que recebemos entre os anos de 2015 e 2018.
Portanto, os indicadores ainda falam a favor do Brasil, mas não podemos esquecer que a briga é pela hegemonia da economia mundial, e neste contexto, o Brasil tem muito a perder no longo prazo.
E como podem ficar?
Primeiramente, chama a atenção o volume de recursos retirado do Brasil em 2019 (US$ 27,156 bilhões), a maior em 38 anos.
O segundo fator que joga contra o Brasil neste momento é a própria guerra comercial, não exatamente pelas tarifas impostas por Trump nesta semana, mas pelos efeitos indiretos sobre a nossa economia.
De acordo com o FMI, a previsão de crescimento da economia chinesa para 2019 é de 6,1%, próximo ao limite inferior da banda estabelecida pelo governo chinês, que é de 6,0% a 6,5%. A desaceleração econômica do nosso principal parceiro comercial pode ser devastadora para o Brasil, vide os resultados sobre a indústria brasileira diante da crise argentina.
Cabe ressaltar, que o desempenho do PIB brasileiro poderia ser melhor se a indústria nacional tivesse apresentado resultados mais sólidos em 2019, mais que isso, a indústria nacional teria apresentado resultados melhores não fosse a crise do nosso terceiro maior parceiro comercial, a Argentina, principal destino dos nosso bens manufaturados.
Além disso, a Europa envolta ao Brexit e a desaceleração das duas principais economias da Zona do Euro, Alemanha e França, também é um grave problema para o Brasil. Cabe destacar que os dois países enfrentam problemas justamente por conta da guerra comercial.
De modo geral, a aversão ao risco e os efeitos da própria guerra comercial já estão trazendo resultados ruins também para o Brasil. E, diante da campanha eleitoral dos Estados Unidos este problema global deve se agravar.
Isso tudo pode contribuir para um rápido esvaziamento do estoque de divisas que demoramos algum tempo para construir. Problemas com as contas externas ainda são um risco pequeno, mas não totalmente fora do nosso radar.
Perspectivas
Os próximos anos serão desafiadores para o Brasil.
Em um cenário onde a demanda interna seja suficientemente forte para conduzir o país de volta aos crescimentos minimamente aceitáveis para um país com tais dimensões, nós deixaremos para trás os robustos resultados da balança comercial dos últimos anos.
Em um cenário onde a demanda doméstica não seja capaz de dar tração para economia brasileira, os riscos são ainda maiores, haja vista que uma desaceleração mais robusta e prolongada da economia global ainda permanece no radar.
O Brasil desenvolveu o seu tecido produtivo de modo que crises globais sejam ainda mais agudas por aqui, portanto, uma escalada da guerra comercial, algo de deve acontecer, será extremamente nociva ao Brasil.
De modo geral, crescendo ou não, o Brasil tem desafios muito importantes para os próximos meses. Neste sentido, esse vigoroso fluxo de saída de divisas internacionais do país pode ser apenas a ponta do iceberg.
Veremos!
André Galhardo é economista-chefe da Análise Econômica Consultoria, professor e coordenador universitário nos cursos de Ciências Econômicas. Mestre em Economia Política pela PUC-SP, possui ampla experiência em análise de conjuntura econômica nacional e internacional, com passagens pelo setor público.