O governo e o mercado financeiro enxergam a situação econômica de uma forma distinta da população de forma geral. O entendimento do governo é que a aprovação da reforma da previdência seria a solução para diversos males. Dentre estes males, o grave problema do déficit público.
Como pode ser visto, o resultado primário (a diferença entre receitas e despesas primárias) tem sido menos deficitário nos últimos meses. Mas, ainda assim, o déficit de R$ 108 bilhões é extremamente elevado. E não será possível diminuí-lo apenas com o corte de gastos.
O gráfico abaixo mostra a evolução das receitas primárias do governo central.
O gráfico evidencia que desde 2011 as receitas acumuladas em 12 meses sofreram uma forte estagnação. E, posteriormente, uma queda, para então se estabilizar em patamar menor.
Ou seja, a reforma da previdência pode diminuir a necessidade de dispêndio no médio e longo prazo. No entanto, ela não resolve a questão da arrecadação, que é um elemento muito importante para explicar o problema atual das contas públicas.
Uma parcela da população reconhece que mesmo após a aprovação da reforma da previdência poderemos ter problemas de ordem previdenciária. Ao passo que outra parcela significativa têm encontrado oportunidades no mercado de trabalho informal.
Mais pessoas no mercado informal, menor o volume de receitas previdenciárias.
Vejamos pelo lado otimista…
Se tudo der certo e o Brasil voltar a crescer gerando postos formais de trabalho, estaremos bem.
A emenda constitucional número 95, que congela os gastos do governo por 20 anos a partir de 2016, associada a um aumento da arrecadação vinda da melhora da situação econômica, traria um céu de brigadeiro às contas públicas. E, então, ao menos provisoriamente, teríamos resolvido esse problema.
Essa é a visão do governo e de uma parte importante do mercado financeiro.
Não por acaso, nesta semana, vimos o principal índice da Bolsa de São Paulo (Ibovespa), tocar os 100.000 pontos pela primeira vez na história.
Mas…
Ocorre que este cenário fantástico – de retomada do investimento, equalização das contas públicas e melhora do mercado de trabalho – é uma, de várias possibilidades.
Inclusive, esta não é a possibilidade com maior chance de se concretizar. Em outras palavras, esse é o cenário otimista e não o cenário base.
A reforma da previdência, sem o amparo de outras medidas importantes que o governo terá que tomar, terá efeitos transitórios e muito menores que os estimados pelo Ministério da Economia.
O volume de recursos economizados pode ser muito menor que aquele prometido, de R$ 1 trilhão em dez anos.
O governo sabe que será necessário partir para uma reforma tributária e para a desburocratização da economia, se quiser ter êxito no intento de reorganizar as contas públicas. Mas sabe também que tem que vender como bala de prata a questão da reforma da previdência.
Como o mercado enxerga
Os indicadores de confiança da indústria, do comércio e do setor de serviços apresentaram sucessivas leituras positivas entre o final do ano passado e o início de 2019.
O que é pouco comentado, no entanto, é que o índice foi fortemente influenciado pelas expectativas em detrimento do índice de situação atual.
Em suma, os índices de confiança da Fundação Getúlio Vargas são divididos em dois módulos: índice de situação atual (ISA) e índice de expectativas (IE).
O índice de expectativas influenciou o indicador agregado de forma significativa nas últimas leituras.
O gráfico abaixo mostra a evolução do índice de situação atual e do índice de expectativa, do setor de serviços.
Note que em 2016, ano do impeachment da presidente Dilma Rousseff, a crença em dias melhores em âmbito econômico inundaram o índice de confiança, de lá pra cá, o índice de expectativa ficou acima do índice de situação atual.
Mas o que isso quer dizer?
Primeiramente precisamos destacar que o setor de serviços compõe mais de 70% do PIB brasileiro.
Em segundo lugar, esse descolamento do ISA e do IE é visto em todos os demais setores, inclusive e de forma ainda mais intensa na sondagem do consumidor.
Posto isso, os dados de confiança mostram que o empresariado e o consumidor acreditam fortemente que o novo governo trará as mudanças desejadas pelos brasileiros há muitas décadas.
Esse ambiente de euforia pode se dissipar quando o consumidor e o empresariado brasileiro perceberem que a reforma da previdência em quase nada contribuirá para a retomada da atividade econômica.
Empresários e consumidores creem num futuro melhor, mas como os próprios dados mostram, trata-se de visão deturpada da realidade.
Expectativas
O Governo tem trabalhado para responder aos anseios da opinião pública. Nesta semana, inclusive, o presidente Bolsonaro realizou uma importante viagem aos Estados Unidos.
A pauta de discussão não pareceu muito frutífera no curto prazo e, tal como nos últimos dias, as declarações feitas pelo presidente, por seus ministros e familiares podem trazer alguns problemas.
Bolsonaro fez declarações enaltecendo a política imigratória de Donald Trump se posicionando favoravelmente à construção do muro na fronteira com o México.
Cabe lembrar que Estados Unidos e China ainda estão no meio da guerra comercial que pode ter resultados ruins para o Brasil e, neste momento, posicionar-se contra o México – importante parceiro comercial brasileiro – pode ser tão pouco frutífero como discutir uma reforma da previdência sem discutir uma reforma tributária.
A reforma da previdência, tal como a visita do presidente brasileiro aos Estados Unidos são indiscutivelmente importantes. O problema é o que tem no meio do caminho e a forma como cada um dos agentes enxergam essas situações.
A reforma da previdência não resolverá sozinha o problema nas contas públicas, assim como manter-se positivo não trará mais negócios aos empresários, nem tampouco aumentará a capacidade de consumo das famílias brasileiras.
Até aqui, os dados apontam para um primeiro trimestre difícil em 2019 e há expectativas de que o segundo trimestre não seja muito diferente deste.
Impacto no câmbio
A perspectiva acerca do câmbio permanece inalterada.
Problemas com dados vindos da Europa e da China reforçam instabilidade na economia global.
O desgaste político do presidente brasileiro põe em dúvida a aprovação de uma reforma da previdência robusta, e isso tem impacto direto sobre a condução da política monetária.
A atividade econômica persistentemente baixa forçou o Banco Central do Brasil a baixar a taxa básica de juros e isso deve contribuir de alguma forma para a atividade econômica. Porém, os impactos no câmbio serão limitados em função da moderação da política monetária dos Estados Unidos.
A moeda brasileira deve permanecer no patamar atual com viés de desvalorização no curto e médio prazo.
André Galhardo é economista-chefe da Análise Econômica Consultoria, professor e coordenador universitário nos cursos de Ciências Econômicas. Mestre em Economia Política pela PUC-SP, possui ampla experiência em análise de conjuntura econômica nacional e internacional, com passagens pelo setor público.