O Estado brasileiro encontra-se em uma situação bastante delicada desde 2015. Desde o início da forte recessão que acometeu nossa economia, o Estado tem registrado dados fiscais ruins. E a tendência permanece.
A última Nota para a Imprensa sobre a Política Fiscal, divulgada pelo Banco Central do Brasil, evidenciou o tamanho do problema. O setor público consolidado, que inclui o governo Federal, regionais, Banco Central e empresas estatais, registrou déficit primário de R$14,9 bilhões em fevereiro de 2019.
Cabe lembrar que resultado primário nada mais é do que tudo que o governo arrecada (receita primária) menos tudo que o governo gasta (despesa primária), sem considerar o montante de juros pagos sobre a dívida pública.
O resultado nominal do setor público consolidado, que inclui os juros nominais apropriados, foi deficitário em R$45 bilhões em fevereiro. No acumulado em 12 meses, o déficit nominal alcançou R$479,2 bilhões, que representa aproximadamente 6,95% do PIB.
O problema, portanto, é profundo.
O problema do setor público
Vamos para uma obviedade. O setor público necessita da arrecadação de impostos para manter as contas em dia. Para arrecadar, o governo precisa necessariamente que:
- as pessoas tenham salários e consumam;
- as empresas vendam e ampliem sua receitas e lucros.
Em suma, sem atividade econômica, não há arrecadação. E as perspectivas para a nossa arrecadação não são muito boas, conforme as expectativas para 2019 têm mostrado. De forma retrospectiva, notamos que as expectativas de bancos e consultorias consolidadas no Boletim Focus reduziram sistematicamente.
O último Boletim Focus (29/3) registrou a expectativa de um crescimento de 1,98% do PIB este ano. Entre fevereiro e março de 2018, o mercado esperava um crescimento de 3% para o PIB brasileiro em 2019. É uma queda bastante expressiva.
Essa queda dá sequência a um desempenho bastante ruim da economia brasileira, de modo geral. O PIB brasileiro variou 0,46% em 2014, depois caiu fortemente em 2015 e 2016, para registrar uma recuperação frágil e insuficiente, em torno de 1%, em 2017-2018.
E, como era de se esperar, o resultado das contas públicas teve o mesmo destino. Desde 2014 que o governo não consegue registrar um superávit. O elemento principal desse jogo foi a queda da arrecadação. Com a queda da atividade, o recolhimento de tributos caiu, afinal, empresas e pessoas viram suas receitas e demais proventos reduzirem.
O governo, complementarmente à queda na arrecadação, permaneceu com uma estrutura de despesas relativamente rígida. Isso fez com que o resultado primário seguisse deficitário até o momento.
Cabe destaque que dentro da lógica das contas públicas, um resultado acima de zero significa déficit, ou seja, que o governo gastou acima do esperado. Um resultado abaixo de zero, portanto, representa uma economia. Nesse sentido, as barras acima de zero representam sucessivos resultados negativos – necessidade de financiamento do setor público (NFSP).
É importante registrar que há divergências quanto ao método mais adequado para ajustar as contas públicas e retomar o crescimento. As recomendações mais clássicas de política econômica sugerem que, uma vez que o governo precisa cortar gastos. Desde 2015, essa tem sido a recomendação mais adequada e, por ora, não houve grande resposta da economia.
E os estados?
A situação se reflete nos entes da federação. Diversos estados viram sua arrecadação derreter com o avançar da recessão. E muitos ainda não conseguiram se recuperar. Há, entretanto, uma série de problemas nesse sentido.
As pessoas levam suas vidas em nível local. As empresas, não obstante sua atuação, também possuem uma relação forte com suas regiões. Desse modo, os governos regionais possuem um papel fundamental.
Essa organização do Estado em governos regionais é a base do chamado Pacto Federativo. Em outras palavras, este “pacto” é um conjunto de dispositivos constitucionais que configuram a moldura jurídica, as obrigações financeiras, a arrecadação de recurso e os campos de atuação dos entes federados.
Cada estado tem autonomia relativa, possuem uma constituição própria e uma série de regras particulares. A Constituição de 1988, por um lado, promoveu significativa descentralização de recursos. Desse modo, os ente federativos teriam mais autonomia. Contudo, a CF88 não trouxe a preocupação de redistribuir, simultaneamente, a responsabilidade sobre os serviços públicos.
Em resposta a esse desequilíbrio, a União criou e elevou alíquotas de tributos não partilhados com estados e municípios, sobretudo de contribuições sociais. Foi o caso extinta Contribuição sobre Movimentação Financeira (CPMF).
O desequilíbrio foi crescendo ao longo dos anos com o aumento das obrigações estaduais e municipais em relação a áreas como saúde, segurança e educação. Entretanto, o crescimento de arrecadação destinada a essas entidades federativas para atender as obrigações com estas áreas não foi equivalente.
Alguns dados selecionados
É o caso, por exemplo, de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, três estados importantes da União que passam por intensas dificuldades fiscais. Em vista das severas restrições sofridas por estes e outros governos estaduais e municipais, a União tem-se valido de medidas paliativas.
Dentre algumas dessas medidas, mais evidentes especialmente desde o governo Temer, podemos identificar claramente a entrega de recursos a título de auxílio financeiro a estados e municípios e o incremento marginal na participação desses entes na arrecadação federal.
Como podemos observar, as ocorrências de valores acima da linha são mais evidentes após 2014, especialmente no Rio de Janeiro (linha vermelha). No sistema tributário vigente, estima-se que de cada R$ 100 arrecadados no Brasil, R$ 66 vão para o governo federal, R$ 20 vão para os estados e R$ 14 vão para municípios.
Em condições normais, ou seja, fora de um ambiente recessivo, com essa repartição, o dia-a-dia já é difícil para pessoas e empresas. Contudo, em face de um ambiente recessivo, a situação se agrava, pois os entes que têm a obrigação de prestar serviços públicos não possuem os recursos necessários para tal.
A situação se agrava ainda mais a partir da necessidade de se estabelecer um ajuste fiscal recessivo. Frente a necessidade de cortar despesas para equilibrar as contas públicas, o governo restringe a sua capacidade de atuar de forma contracíclica, ou seja, de investir em infraestrutura e outras atividades para ativar a economia, gerar emprego e ampliar sua própria arrecadação.
Movimento do câmbio
O ponto alto, contudo, é o impacto sobre o câmbio. Temos visto diariamente o dólar – principal moeda global – oscilando fortemente a cada notícia de ajuste nas contas públicas.
Nossa leitura permanece bastante embasada em uma perspectiva de manutenção da taxa de câmbio no patamar de R$3,70~R$3,80.
Um dado relevante acompanhado pelo mercado é a avaliação dos primeiros 100 dia do governo. Na atual conjuntura, muitas promessas de campanha do atual governo não se cumpriram.
Os investidores, de olho nesses indicadores a fim de ancorar seus recursos, passam a esperar menor retorno para seus investimentos. Há de se dizer que o ministro da economia Paulo Guedes tem feito um esforço significativo para conduzir as reformas e manter a confiança dos mercados, mas o tempo, a situação objetiva da economia e as expectativas, não parecem jogar a favor.
Devemos, portanto, esperar um câmbio volátil, com viés de desvalorização no médio prazo, porém, no atual patamar no curto prazo.
Seguimos de olho.
André Galhardo é economista-chefe da Análise Econômica Consultoria, professor e coordenador universitário nos cursos de Ciências Econômicas. Mestre em Economia Política pela PUC-SP, possui ampla experiência em análise de conjuntura econômica nacional e internacional, com passagens pelo setor público.