O ministro da economia, Paulo Guedes, disse que o mercado precisa se acostumar com uma taxa de câmbio mais elevada. A declaração solta pode causar apreensão, mas um câmbio elevado não é necessariamente um mal sinal. Nesta análise, vamos entender os fatores que pesam nesse cenário.
Se quisermos ter a dimensão da desvalorização cambial ocorrida em 2002, às vésperas das eleições para presidente, nós precisaríamos de uma maxidesvalorização cambial das mais espetaculares das últimas décadas.
A taxa de câmbio real equivalente à de 2002 seria, nos dias de hoje, equivalente a R$ 10,70 por Dólar americano. Bem, então estamos com nossa moeda sobreapreciada? Será que a partir de agora, com um ‘novo quadro fiscal’ nós perderemos essa pechincha de Dólar? Acompanhe este dilema!
O que Paulo Guedes quis dizer?
Após ver a moeda brasileira perder valor rapidamente, o ministro da Economia, Paulo Guedes, se apressou em falar com a imprensa.
A ideia principal era dar um recado de que estava tudo sob controle, e que não haveria motivo para entrar em pânico, ademais, quem estava falando era a autoridade máxima da economia nacional.
Ocorre que, na tentativa de passar uma imagem de tranquilidade, Guedes acabou aumentando o clima de incerteza sobre a política cambial, e isso traduziu-se em corrida ao Dólar.
É simples explicar esse movimento: de modo geral, o ministro mostrou-se condescendente com uma taxa de câmbio mais elevada. Segundo sua fala, dali pra frente o que veríamos seria justamente a perda do poder aquisitivo do Real em âmbito internacional, ou seja, segundo Guedes, seria melhor comprar Dólar naquele momento porque haveria uma tendência pela desvalorização da nossa moeda no médio e longo prazo.
Guedes tentou explicar o que para nós, economistas, parece um pouco óbvio: quanto menor a nossa taxa de juros, maior será a cotação do Dólar.
O ministro não mentiu. É verdade que quanto menores forem os juros no país, menor será o interesse do investidor estrangeiro em depositar o seu capital especulativo. Essa ‘falta’ de dólares faz com que o preço da moeda suba por aqui.
O mecanismo de demanda e oferta funciona da mesma forma com pacotes de bolacha ou moedas estrangeiras, ou seja, quanto menor for a quantidade ofertada, mais elevado será o preço, seja de bolachas ou de dólares/euros.
Ocorre que, a despeito do importante esforço do Banco Central, por meio do seu presidente, Roberto Campos Neto, de colocar a taxa básica de juros brasileira em patamares nominais nunca antes vistos, a taxa real de juro brasileira ainda é uma das mais altas do mundo.
A taxa de juros do Chile é de 1,75% a do Peru, 2,25%, a do Paraguai 4%, a da Bolívia 3,5% e a da Colômbia é de 4,25%, sem falar das taxas dos países centrais, com destaque para a taxa negativa da taxa de juros do Japão, -0,1%.
Então, apesar da explicação do nosso ministro não estar totalmente equivocada, existem mais fatores que explicam a saída maciça de dólares do Brasil nos últimos meses. Um deles é a instabilidade política dos nossos vizinhos, o outro é a guerra comercial e, por fim, mas não menos importante, a própria instabilidade política nacional.
Qual o Dólar ideal para exportação e importação?
E será que o Brasil pode beneficiar-se deste movimento de desvalorização da moeda?
A resposta é sim!
Antes de entrar neste assunto, é bom explicar que entre os economistas não há consenso sobre a taxa de câmbio ideal para um país.
Falando da perspectiva de que uma taxa de câmbio desvalorizada permite que a indústria nacional tenha o mínimo de competitividade no cenário externo, no nosso entendimento uma taxa de câmbio maior, ou seja, um Real mais fraco poderia trazer vantagens ao Brasil.
O espantoso crescimento chinês dos últimos trinta anos pode ser explicado por inúmeros fatores, entre os quais têm papel de destaque, a taxa de câmbio.
Tanto é verdade que os Estados Unidos acusam o país asiático de manter uma taxa de câmbio artificialmente desvalorizada. Essa briga com o maior país do mundo já nos diz muita coisa.
É verdade que um câmbio desvalorizado sem políticas de incentivo à nossa indústria como, por exemplo, simplificação tributária, diminuição dos gargalos produtivos, entre outros, não surtirá o efeito desejado.
Sem uma política de apoio ao empresário industrial, uma taxa de câmbio mais elevada só trará, no longo prazo, possíveis aumentos de preços e cerceamento do nosso poder de compra de produtos importados. Isso vale também para investidores que querem comprar máquinas do exterior.
Portanto, dado nosso atraso tecnológico no ambiente global de produção, a taxa de câmbio pode ser um importante instrumento de aumento de competitividade para a indústria nacional. Neste caso, ainda haveria espaço para mais desvalorização da nossa moeda. Ainda que falar sobre isso seja quase um tabu.
Portanto, o Real mais fraco frente ao Dólar pode não significar nada se o governo brasileiro não resolver outros tantos problemas seculares do Brasil.
Qual esforço está sendo feito?
O governo tem agido de forma pontual para acalmar o mercado financeiro.
Guedes já nos mostrou que, de modo geral, a taxa de câmbio mais elevada não é necessariamente um problema. Eu sei que é difícil entender isso, ademais, na televisão, jornais e mídias impressas, sempre nos venderam a ideia de que um Dólar mais caro é algo extremamente grave.
Acontece que desvalorizações muito agudas também não ajudam o Brasil. Isso porque acaba evidenciando a insatisfação dos investidores estrangeiros e pode, no curto prazo (ainda que neste momento não seja o nosso caso) trazer algum desequilíbrio de preços.
O Banco Central atua no mercado para atenuar os efeitos mais agudos desta movimentação.
Então, o Banco Central pode até ser condescendente com uma taxa de câmbio mais elevada, mas atuará de forma a inibir desvalorizações ou valorizações muito rápidas, afinal esses movimentos de câmbio muito fortes acabam por aumentar o clima de incerteza no país.
Perspectivas
O governo tem a oportunidade de trazer mais competitividade para o setor produtivo brasileiro.
Nós, que não temos um parque industrial diversificado, dependemos muito dos preços para sermos competitivos, diferentemente dos países europeus, do leste asiático ou dos Estados Unidos.
No entanto, no meio desse caminho o governo terá que provar para a opinião pública e a grande mídia brasileira, que é possível conviver com uma taxa de câmbio mais desvalorizada, sem que isso se traduza em problemas para a nossa economia.
Pelo nosso histórico (2002) ainda há bastante espaço para desvalorização e, em função das disputas geopolíticas, ainda que o governo brasileiro esteja reticente em relação a manter o câmbio mais desvalorizado, terá que empreender um grande esforço para manter do Dólar onde está.
A tendência é de desvalorização do Real.
Veremos!
André Galhardo é economista-chefe da Análise Econômica Consultoria, professor e coordenador universitário nos cursos de Ciências Econômicas. Mestre em Economia Política pela PUC-SP, possui ampla experiência em análise de conjuntura econômica nacional e internacional, com passagens pelo setor público.
Foto: José Cruz/Agência Brasil