A divulgação da Ata do Copom na última quarta-feira (3/11) trouxe algumas surpresas, mas também algumas confirmações ao mercado. Uma dessas confirmações é de que a trajetória fiscal tem um peso significativo no balanço de riscos do Banco Central. Por outro lado, uma das surpresas ficou por conta do quão contracionista é a visão do Banco Central nesta altura.
Acompanhe nossa análise a seguir para entender melhor esse cenário.
Não é de hoje que o nível de preços do Brasil é um assunto que preocupa analistas, economistas mas, especialmente, consumidores. Há muitas razões e diagnósticos para explicar a dor da inflação na vida das pessoas. Parte importante dessa explicação passa pelo histórico brasileiro.
Os anos 1980 e primeira metade dos anos 1990 foram muito marcados por altos níveis inflacionários, preços de todos os produtos e serviços mudando diariamente e, obviamente, uma brusca redução do poder de compra que jogou boa parte da população brasileira na miséria.
Mesmo com o problema solucionado após a implantação do Plano Real, a memória inflacionária se manteve, particularmente com os mais velhos, que viveram na pele os descaminhos daquele período.
E é por conta desta memória transmitida de pais para filhos e, eventualmente, na geração que hoje são pais e mães, a própria memória da época – ainda que por vezes incipiente – que há o resgate desta preocupação com o nível de preços.
Quando analisamos a última divulgação do IPCA-15 de outubro, a prévia da inflação oficial, divulgada pelo IBGE no dia 26/10, notamos que a variação do nível geral de preços ao consumidor foi de +1,20% em outubro, após ter registrado taxa de +1,14% em setembro.
Segundo o próprio instituto, esta foi a maior variação para um mês de outubro desde 1995 (1,34%), e a maior variação mensal desde fevereiro de 2016 (1,42%). Com isso, entre janeiro e outubro de 2021, o IPCA-15 acumulou alta de 8,30% e, em 12 meses, chegou a 10,34%.
O impacto disso sobre o consumo dos mais pobres é evidente. Não à toa, temos visto cotidianamente situações que beiram o escândalo, como pessoas disputando ossos em açougues, remetendo justamente às dificuldades vividas nos anos 1980.
Mas não se trata somente de preços por si só. Os preços refletem mudanças muito significativas na estrutura produtiva e na atividade econômica. É inegável que, desde 2018, a economia brasileira passa por dificuldades. A pandemia aprofundou de maneira muito expressiva essas dificuldades.
Algumas dessas dificuldades já são históricas, como, por exemplo, a perda de importância da indústria brasileira. As análises econômicas contemporâneas já contemplam com clareza que um país sem o dinamismo da indústria fica mais dependente do exterior e mais suscetível a crises e outros problemas.
A razão para isso é muito objetiva e simples. Sem postos de trabalho altamente qualificados, como é o caso dos postos na indústria, a remuneração média dos trabalhadores cai de maneira expressiva. E o reflexo disto é sentido na atividade econômica que também perde dinamismo.
A pandemia, como dissemos, aprofundou bastante isso. Segundo levantamento do IBRE/FGV com base nos dados do PIB do primeiro trimestre de 2021, a renda média domiciliar por pessoa (per capita) dos brasileiros foi de R$ 1.065 no primeiro trimestre deste ano, uma queda de 10% em relação à média de R$ 1.185 de igual período de 2020.
Os dados do IBGE apontam para problemas ainda mais profundos na base da pirâmide de renda. No primeiro trimestre de 2020, a renda média do trabalho dos 40% mais pobres era estimada em R$233,94. No começo de 2021, atingiu a marca de R$155,89.
Claramente, esse nível de remuneração evidencia um grave problema humanitário, mas do ponto de vista macroeconômico, a preocupação também é justamente sobre como a economia pode se recuperar com esse nível de remuneração. E aí entra o papel do governo.
Em linha com a análise da atual conjuntura, o Banco Central do Brasil optou na última semana, em decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) divulgada na quarta-feira (27/10), a elevação da taxa básica de juros (Selic) em 1,5 pontos percentuais (p.p.). Isso elevou a Selic de 6,25% ao ano (a.a.) para 7,75% a.a.
Apesar do aumento expressivo, segundo consta na Ata divulgada nesta quarta-feira (3/11), o Copom chegou a considerar aumentar ainda mais a taxa de juros que, apesar de ser a maior elevação de juros desde dezembro de 2002, levou a taxa Selic ao maior nível em quatro anos.
Para compreender a relevância e o impacto disso, precisamos entender como se dá a transmissão da Selic pela economia brasileira. Quando os juros estão baixos, há uma tendência para que os bancos e outras instituições financeiras ofereçam crédito mais barato. Claro que não é uma regra, uma vez que há outros elementos a serem considerados, como o perfil de “pagador” de cada pessoa.
Mas, ainda assim, com a Selic mais baixa, os bancos captam dinheiro de maneira mais barata no mercado e, assim, ao menos esse elemento contribui para uma taxa de juros menor, o que favorece a tomada de recursos para o investimento das empresas e para o consumo das famílias.
Com a taxa de juros mais alta, a economia brasileira perde esse driver de crescimento. Na leitura do Bacen, esse movimento é necessário justamente para conter a alta da inflação que pode ter impactos mais destrutivos para o país. Com isso, o Bacen espera conter o volume de empréstimo, por conseguinte, o consumo via crédito e, portanto, reduzir o volume de demanda agregada, reduzindo os preços.
A Ata do Copom ainda sinalizou que aumentos mais intensos da Selic devem ocorrer este ano e no próximo. Desse modo, a política monetária passa a ser contracionista, ou seja, o ciclo deixa de ser estimulativo e passa a ser um ciclo de aperto monetário, assim, deixando de ter um papel que contribui para o crescimento da atividade econômica.
A grande pergunta que fica no ar é: o que muda? Para entender o que muda, precisamos entender ainda mais um pedaço da análise do Banco Central: o balanço de riscos.
Na visão do Copom, os riscos fiscais (portanto, relacionados às contas públicas e aos gastos do governo) contribuem para a alta da inflação e afetam o grau apropriado de estímulos monetários. As incertezas fiscais justificam a trajetória da Selic mais contracionista.
Essa leitura ganhou ainda mais peso com as discussões em torno do financiamento do Auxílio Brasil, substituto do Bolsa Família. Nas últimas semanas, ganhou força o discurso de que o governo “furaria” o Teto de Gastos, o que poderia abrir espaço para outros contorcionismos fiscais.
Com esse contexto, vimos o Real se depreciar fortemente. Saímos de uma cotação de R$5,3581 em 4 de outubro para uma cotação de R$5,5535 na abertura do pregão de 4 de novembro. Quanto maiores forem as incertezas fiscais, mais contracionista será a ação do Banco Central e o mercado reagirá.
Seguimos de olho.
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