Além dos desafios nacionais para voltar a crescer, o Brasil acompanha a cristalização da crise da Argentina, que não é algo novo, mas ganhou um ar catastrófico com a aproximação das eleições presidenciais na terra de nossos vizinhos.
Segundo o Banco Central do Brasil, a economia brasileira recuou 0,13% no segundo trimestre de 2019. Pelo menos 0,5% no primeiro semestre de 2019 na comparação com o semestre imediatamente anterior. Os números do Banco Central acendem um alerta: podemos já estar em recessão técnica – dois trimestres consecutivos com retração do PIB.
Origens da Crise Argentina
Apesar de parecer algo relativamente novo, a crise da Argentina é algo que se arrasta há algum tempo.
Déficits fiscais relevantes, moeda fraca, dolarização da economia doméstica, intensificação da luta pelo poder, são alguns componentes que fazem a crise dos nossos vizinhos parecer interminável.
O processo de elevado endividamento da Argentina, ainda não década de 1990, obrigou o governo a emitir títulos públicos de forma desmesurada, levando muitos dólares à economia sul americana.
Acontece que, com a economia dolarizada, mais recursos internacionais significa aumento de base monetária e pressão sobre o nível de preços. Olha o círculo vicioso…quando os preços sobem, um dos principais instrumentos de controle é a taxa básica de juros, que tem como principal efeito colateral, o aumento da dívida pública…
Além disso, é importante destacar que a entrada de recursos internacionais elimina qualquer possibilidade de competição entre as indústrias argentinas e norte-americanas, por exemplo.
Essa perda de dinamismo da indústria local só faz agravar o processo de endividamento estatal, uma vez que menos atividade econômica significa menor arrecadação e mais déficits fiscais.
É difícil até propor uma saída para o problema crônica que a Argentina enfrenta. Por lá, economistas liberais bradam medidas de bem-estar social e economistas heterodoxos se veem diante da obrigação de quitar obrigações internacionais importantes ao passo que se acompanha o empobrecimento da população.
A relação Brasil x Argentina
Mas por que a crise na Argentina tem tamanhos desdobramentos sobre a economia brasileira e por que nos preocupar com ela?
O primeiro fator de importância é bastante claro, a nossa relação comercial. A Argentina é o terceiro maior parceiro comercial do Brasil e, mais que isso, é um dos maiores compradores de produtos manufaturados, ou seja, ainda que a China seja muito importante para a balança comercial brasileira, nossas exportações ao gigante asiático é majoritariamente composta de commodities, ao passo que para os nossos vizinhos a pauta exportadora é muito mais rica e complexa.
Segundo dados do Ministério da Economia, a Argentina exportou ao Brasil pouco mais de R$ 6,7 bilhões. Esse número chegou a R$ 22,7 bilhões em 2011, muito próximo das R$ 25 bilhões exportados aos Estados Unidos no mesmo ano.
Apesar da expressiva queda, a Argentina permanece na terceira colocação na lista de maiores importadores de produtos oriundos do Brasil, ficando atrás apenas da China e dos Estados Unidos.
Até o mês de julho de 2019 a Argentina já havia importado aproximadamente R$ 6 bilhões. Estados Unidos e China R$ 17,4 e 36,2 bilhões respectivamente.
O segundo fator não é tão claro quanto quando olhamos para as relações comerciais Brasil-Argentina, mas é tão importante quanto.
Um desequilíbrio do peso argentino, como o que tem ocorrido nos últimos anos, coloca em dúvida o desempenho da moeda brasileira.
O processo de degradação de moedas de países subdesenvolvidos tem poder de contaminar outros países de menor peso econômico.
Foi o que aconteceu com o Brasil diante de uma intensa desvalorização do Rublo russo ocorrida após os Estados Unidos anunciarem sanções econômicas a Moscou, depois que a mesma tomou a decisão, em 2014, de anexar o território da Crimeia, antes, em poder da Ucrânia.
Outro solavanco recente veio de uma país muito menor do ponto de vista econômico, mas que confirma a ligação umbilical das moedas dos países subdesenvolvidos. A Nova Lira turca se depreciou rapidamente após problemas políticos junto aos Estados Unidos, a maioria das moedas dos países subdesenvolvidos enfrentou problemas enquanto a Turquia via o valor da moeda nacional derreter rapidamente.
De modo geral, quanto pior a Argentina estiver, pior serão as coisas para o Brasil, seja por conta dos fortes laços comerciais que foram estabelecidos entre Brasil e Argentina, seja pela aversão ao risco que o mundo passa a ter sobre todos os países subdesenvolvidos quando algum deles enfrenta uma grave crise cambial.
Perspectivas para Argentina e Brasil
Após permanecer estável na banda de ARS 38,00 a ARS 45,00 por dólar, o Peso argentino voltou a desvalorizar-se rapidamente com a indicação de vitória da oposição nas próximas eleições presidenciais, que ocorrerão no dia 27 de outubro deste ano.
Com a derrota nas PASO (Primárias Abertas, Simultâneas e Obrigatórias), a situação já entende que uma derrota nas eleições de outubro é concreta e, portanto, não há ,muito o que fazer além de pedir desculpas.
Mauricio Macri, o mandatário da Argentina pediu desculpas pela situação econômica da Argentina e se comprometeu a intensificar seus esforços em torno de um Estado mais preocupado com o bem-estar coletivo, muito diferente do discurso realizado na última campanha, quando a ordem do dia era fazer um estar austero, cortador de gastos e preocupado com os ajustes necessários à economia Argentina.
De modo análogo ao que aconteceu com o Brasil na época do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, até que as eleições de fato ocorram, em outubro, nenhum investidor colocará a mão no bolso. O clima de incerteza é elevado o suficiente para fazer com que os escassos investimentos privados sejam postergados para 2020, quando o investidor terá clareza de quem governará o país e sob quais condições.
Apesar do congelamento dos preços, do câmbio e de produtos da cesta básica argentina, os números não endossarão uma melhora da economia argentina daqui até outubro. A desaceleração deve se intensificar e, ainda que no papel a inflação de mais de 50% seja diminuída, em parte, os custos do longo congelamento de preços já estão nos mercado secundários e atingem a parte mais pobre da população.
Já não se tem reserva para segurar o câmbio em patamares saudáveis para o nível de preços e nem perspectiva de melhor com a taxa básica de juros em 74% ao ano.
Como dito, os efeitos de uma intensa crise argentina têm impactos múltiplos sobre o Brasil, seja no câmbio, seja na atividade econômica.
Por aqui, boas notícias – aos menos para o governo e o mercado – como o andamento da reforma da previdência, da reforma tributária e outras, têm diminuído o impacto cambial em relação ao dólar, mas é importante preparar-se para um parceiro comercial ainda mais pobre e sem perspectiva.
Perspectivas para o Dólar
Movimentos internacionais ambíguos têm intensificado a volatilidade cambial e essa situação veio para ficar nesse segundo semestre de 2019.
Os Estados Unidos continuam apresentando números mais robustos que a média esperado pelo mercado. As vendas no comércio varejista, por exemplo, apresentaram crescimento de 0,7% no mês de julho, ante expectativa de 0,3%.
Mesmo com dados que apontam para forte tração da economia americana, o presidente Donald Trump permanece dando seus recados ao Federal reserve System (FED) pelo twitter.
No dia 14 de agosto, publicou na rede social que o FED deveria ajudar a economia americana e cortar a taxa de juros de forma mais breve, dizendo que a autoridade monetária americana foi rápida em subir a taxa, mas é letárgica ao fazer os cortes.
Então, a economia dos Estados Unidos vai bem, mas uma crise vinda de lá ou da Europa não está descartada, este poderia ser o indicativo da preocupação de Trump.
Além disso, é certo que a crise da Argentina está muito longe de acabar. Que não falte fôlego ao Brasil para resistir. As boas notícias internas têm que ser uma rotina para que o Dólar não ganhe força de forma expressiva frente ao Real.
Alguma desvalorização do Dólar é prevista para os próximos dias, mas no médios e longo prazo é difícil imaginar uma taxa menor que R$3,90.
Seguimos de olho.
André Galhardo é economista-chefe da Análise Econômica Consultoria, professor e coordenador universitário nos cursos de Ciências Econômicas. Mestre em Economia Política pela PUC-SP, possui ampla experiência em análise de conjuntura econômica nacional e internacional, com passagens pelo setor público.