Existe um sentimento quase de euforia que tomou conta das pessoas e das empresas brasileiras nos últimos meses, especialmente em relação a economia brasileira. Depois da vitória do então candidato à presidência da república Jair Bolsonaro o país viu seu comando mudar efetivamente de mãos pela primeira vez desde 2003.
É claro que algo novo era esperado e traz certa euforia, principalmente depois de o Brasil ter enfrentado uma das piores recessões que se tem registro. Essa mudança trouxe esperanças à maioria dos eleitores e até a alguma parte dos não-eleitores de Bolsonaro.
No entanto, os últimos dias tem colocado caroço nesse angú das expectativas. A situação política vem se desgastando à passos largos. A bola da vez é o problema entre Bolsonaro, Bebianno e Bivar. Isso tem comprometido o futuro do governo no tocante às tão esperadas reformas.
Indicadores mostram que a economia continua caminhando lentamente e que, portanto, os desafios de Bolsonaro e de seu Ministro da Economia, Paulo Guedes, serão enormes.
A novela da política brasileira
Os problemas políticos são tão diversificados que até assustam; como se acontecessem há tempos. Mas estamos há menos de dois meses de governo Bolsonaro. O que preocupa ainda mais.
Devemos, portanto, lembrar sempre que os problemas entre presidente e sua equipe são bastante comuns. A ex-presidente Dilma Rousseff, por exemplo, demitiu e viu afastado das funções diversos dos seus ministros logo no início do seu mandato. Assim, isso não é um ataque a Bolsonaro e sua forma de conduzir o governo.
E dentre esses problemas, a bola da vez envolve o primeiro escalão do governo federal. Gustavo Bebianno, (atual ex) Ministro da Secretaria-geral da Presidência da República, foi demitido após enfrentar problemas com um dos filhos do presidente, Carlos Bolsonaro.
Segundo áudio vazado por Carlos Bolsonaro, Bebianno teria mentido ao afirmar que havia falado ao menos três vezes com Bolsonaro após o escândalo das candidaturas-fantasma vir à tona.
No entanto, no dia 19/2, a revista Veja divulgou 13 áudios de Whatsapp confirmando que o presidente Jair Bolsonaro havia conversado com o ex-ministro na ocasião. E que, portanto, quem estava mentindo era Bolsonaro e seu filho, Carlos.
O “fim” dessa história toda levou à demissão do ministro e um desgaste profundo do PSL, partido presidido hoje por Luciano Bivar. Parte dessa novela pode levar boa parte dos seus membros a UDN (União Democrática Nacional). Ou seja, a família Bolsonaro e seus correligionários cogitam refundar a UDN para se desvencilhar dos problemas do PSL.
É interessante destacar, assim como em problemas passados do governo Dilma e Temer, o papel das redes sociais nesse dilema. Nesse caso em particular, o WhatsApp está no centro da trama. Boa parte da conversa entre Bolsonaro e Bebianno ocorreu pelo aplicativo de mensagens instantâneas.
Mas, ainda mais importante que isto: toda esta novela enfraquece o governo e pode colocar em xeque a reforma da previdência, uma vez que dá margem para que deputados e senadores barganhem apoio para sua aprovação.
Movimentos da Economia
Previdência
O problema de todo esse desgaste político, portanto, está na perda do capital político de Bolsonaro e da sua equipe. Esse capital seria fundamental para ajudar na aprovação da reforma da previdência, por exemplo.
Não que o texto não tramite e não seja aprovado. O clamor da mídia e de muitas partes da sociedade pode ser forte o suficiente para constranger os deputados e os senadores a tomarem uma decisão quanto a isso.
Ainda assim, quanto maior o desgaste do presidente, maior a possibilidade de o texto do executivo ser amplamente modificado pelo Congresso. E, por conseguinte, trazer resultados menores e com maior defasagem temporal.
Dentre os pontos importantes da reforma, está a idade mínima para aposentadoria, que deve ser de 62 anos para mulheres e de 65 para homens. Ela será atingida no final de um período de transição de 12 anos.
A proposta já foi enviada para o Congresso nesta quarta-feira (20/2). A princípio, a economia gerada em 10 anos pela reforma deve ser bastante robusta As estimativas mais moderadas apontam que a reforma deve garantir o cumprimento do teto dos gastos e a redução da relação dívida/PIB.
Atividade, mercado de trabalho e preços
Paralelamente a isso, os dados da economia mostram algum avanço, mas de forma tão moderada que mal dá pra separar o último trimestre de 2018 dos primeiros dias de 2019. Como temos apontado em nossas últimas análises, o ritmo de recuperação da atividade foi fraco em dezembro.
O varejo recuou 2,2% em dezembro, com quedas nos segmentos de móveis e eletrodomésticos e de vestuário. O volume do setor de serviços avançou 0,2% em dezembro, mantendo-se praticamente no mesmo nível desde o começo de 2018.
O que os dados mostram, portanto, é uma atividade crescendo sem tração, sem vigor, e isso é incompatível com o tamanho da economia brasileira. Retomar o crescimento econômico exige investimentos e consumo, e ambos estão travados.
Além disso, dia 21, o IBGE divulga o IPCA-15. Até a elaboração desta análise, esperamos um aumento de 0,34% no índice, colocando a variação anual em 3,73%, patamar mais baixo desde junho do ano passado.
Além da prévia da inflação oficial, nesta semana também conheceremos os dados sobre o mercado formal de trabalho, que deve apresentar recuo ou estagnação no mês de janeiro, movimento natural pós-término do período sazonal de fim de ano.
Na agenda internacional, o Comitê de Política Monetária e Mercado Aberto (Fomc) do Federal Reserve (Fed) divulga a ata de sua última reunião. A ata deve reforçar a visão mais moderada do comitê.
Para este ano, esperamos a manutenção da taxa de juros nos EUA no atual patamar, tendo em vista a desaceleração da economia norte-americana e o ambiente sem pressões inflacionárias.
Reflexos no Câmbio
Para 2019, portanto, os desafios são enormes.
No exterior, o prolongamento da guerra comercial e, mais ainda, as perspectivas de desaceleração respaldados semanalmente por dados novos divulgados, colocam em risco o crescimento da economia brasileira.
Esta desaceleração trará consigo uma recessão que pode estourar este ano ou no início de 2020. Pelos dados da atividade econômica brasileira, parece que o país não está preparado para um impacto desse tamanho. Isso redobra o desafio e a responsabilidade do Ministro da Economia, Paulo Guedes.
Nesse contexto, com o governo em crise, a economia brasileira sem tração e a economia mundial em vias de uma recessão, o dólar pode ficar ainda mais caro. Esse movimento de alta do dólar pode ser ainda mais robusto caso se confirme nossas expectativas de queda da Selic.
Seguimos de olho.
André Galhardo é economista-chefe da Análise Econômica Consultoria, palestrante, professor e coordenador universitário nos cursos de Ciências Econômicas. Mestre em Economia Política pela PUC-SP, possui ampla experiência em análise de conjuntura econômica nacional e internacional, com passagens pelo setor público.