O comércio exterior brasileiro encerrou 2019 com números aquém do potencial do país. Para 2020, cenário é de cautela especialmente para manter o país longe das conturbadas relações entre Estados Unidos, China e Irã. Leia a análise de André Galhardo.
A escalada da tensão entre Estados Unidos e Irã não trará apenas volatilidade ao mercado financeiro no curto prazo. A piora da situação pode ser mais problemática que os reflexos de uma taxa de câmbio que se comporta de forma totalmente errática. Os próximos passos do Itamaraty serão fundamentais para determinar o impacto potencial desta tensão sobre o Brasil.
Por tradição, e por necessidade, é fundamental que o Brasil adote um tom neutro e resguarde um dos poucos pilares que têm sustentado o sóbrio crescimento da economia brasileira nos últimos anos, o comércio exterior.
Comércio exterior brasileiro em números
Em 2019 o Brasil exportou cerca de USD 224 bilhões e importou pouco mais de USD 177 bilhões. Perfazendo uma corrente de comércio – somatório de importações e exportações – de USD 401,3 bilhões.
Tanto o valor das exportações como das importações brasileiras recuaram em 2019 quando comparamos com os números de 2018. No ano retrasado a corrente de comércio brasileira alcançou os USD 420,5 bilhões, sendo USD 239,3 bilhões em exportações em USD 181,2 bilhões em importações.
O número de 2019 do comércio exterior brasileiro não chega a ser decepcionante, nem pelo montante, nem pela pauta exportadora, ou seja, existem fatores relevantes que explicam o ‘fraco’ desempenho do nosso comércio exterior em 2019, e uma parte relevante deles são exógenos.
É importante lembrar, por exemplo, que 2019 foi o primeiro ano da ‘nova guerra fria’. A guerra comercial entre China e Estados Unidos não pode ser menosprezada. Ela mexeu com estruturas globais muito relevantes como, por exemplo, a desaceleração da indústria alemã.
Portanto, enquanto durar a disputa geopolítica entre as duas maiores economias do mundo, será absolutamente normal que não alcancemos os números vistos em 2011 ou 2013 em relação ao comércio exterior brasileiro, quando a corrente de comércio superou os USD 480 bilhões.
Outro fator relevante, que deriva deste primeiro, é o próprio abrandamento da guerra comercial. Em troca da diminuição das tarifas impostas pelos Estados Unidos, a China tem se comprometido a comprar mais produtos básicos do seu oponente nesta disputa. Mais importações dos Estados Unidos, menos importações do Brasil, simples assim.
Os desafios atinentes ao comércio exterior brasileiro são muito variados e relevantes, o que implica em maior vigilância e atividade do governo brasileiro neste momento. Não poderemos abrir mão de praças e produtos importantes como, por exemplo, o Oriente Médio e os bens manufaturados.
Oriente Médio e Brasil: relações comerciais importantes
Primeiramente é importante que se destaque a seguinte situação: não se trata aqui de uma escolha entre Estados Unidos ou Irã. Se assim fosse, não haveria qualquer dúvida sobre o lado a ser escolhido.
Em 2019 o Brasil exportou aos Estados Unidos aproximadamente USD 29,6 bilhões, ou seja, cerca de 13% do valor total exportado teve como destino a maior economia do mundo. Já o valor total das exportações ao Irã ficou pouco acima dos USD 2,2 bilhões, aproximadamente 1% do total exportado pelo Brasil no ano passado.
O Irã é um país majoritariamente composto por xiitas. Uma ‘vertente’ do islamismo que, mesmo que em menor número, também está presente em muitos outros países muçulmanos do Oriente Médio ou da África, especialmente a porção ao Norte do deserto do Saara.
Nossos negócios com o Oriente Médio renderam USD 10,8 bilhões no ano passado. Valor que já chegou aos USD 12,3 bilhões em 2011. Somam-se aos países do Oriente Médio ao menos treze nações africanas, que juntas importaram USD 4,4 bilhões do Brasil em 2019.
Não podemos nos dar ao luxo de colocar em risco boa parte desses mais de USD 15 bilhões que exportamos somente no ano de 2019.
Relações comerciais entre Brasil e China
Como se sabe, há alguns anos a China é o nosso principal parceiro comercial. A segunda maior economia do mundo ocupa este posto desde o ano de 2009.
Em 2019 a China importou pouco mais de USD 65,3 bilhões em produtos brasileiros. A despeito da queda em relação a 2018 (USD 66,7 bilhões), trata-se do segundo maior valor anual da história na relação entre os dois países. Isso tudo com a guerra comercial como pano de fundo.
Bom negócio ter a China por perto então? Com certeza! Mas existe um problema…o tipo de produto que vendemos aos chineses. Produtos básicos.
Dos USD 65,3 bilhões exportados do Brasil para a China, 86% estão concentrados em apenas seis itens, todos básicos ou precariamente manufaturados. Soja USD 20,5 bilhões, petróleo USD 15,4 bilhões, minério de ferro USD 13,1 bilhões, celulose 3,3 bilhões, carne bovina 2,7 bilhões, carne de frango 1,2 bilhão.
Apenas para ilustração, enquanto o preço médio do quilo exportado à China vale apenas 19 centavos de dólar, o quilo médio das exportações à Argentina vale 1,33 dólar.
O Brasil precisa diversificar suas exportações, partindo para a venda de produtos que requeiram mais trabalho industrial e, mais que isso, diversificar as praças para envio dos materiais produzidos aqui.
Em 2019, dos USD 224 bilhões gerados pelo comércio exterior brasileiro, mais da metade teve como destino apenas quatro países, China, Estados Unidos, Argentina e Holanda.
Perspectivas
Os cenários para o comércio exterior brasileiro não são os mais animadores nesse começo de ano. O Brasil terminou 2019 com intenso receio de que os Estados Unidos abocanhem uma parcela relevante das suas exportações de produtos básicos para a China.
Perdeu poder de fogo também com relação aos produtos manufaturados. Até novembro de 2019 a indústria brasileira havia recuado 1,1% em relação a dezembro de 2018. A queda da indústria nacional não esteve restrita apenas ao ambiente doméstico. Em 2019 o Brasil exportou 6,9% menos produtos semimanufaturados e 10% menos produtos manufaturados na comparação com o ano anterior.
Tudo isso com o dólar americano acima dos R$ 4,00 em boa parte do tempo e com certo abrandamento da possibilidade de uma grande crise econômica em âmbito internacional.
Primeiro, teremos que garantir, usando um precioso tempo, que nossos produtos básicos sejam vendidos e escoados. A partir daí, largaremos, bem atrasados, de novo, na corrida pela produção e exportação de produtos complexos.
Veremos!
André Galhardo é economista-chefe da Análise Econômica Consultoria, professor e coordenador universitário nos cursos de Ciências Econômicas. Mestre em Economia Política pela PUC-SP, possui ampla experiência em análise de conjuntura econômica nacional e internacional, com passagens pelo setor público.