A disputa comercial entre China e Estados Unidos atingiu um novo patamar esta semana. De um cenário de embates por tarifas, a relação entre os países avançou para um novo patamar, de guerra cambial.
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, esperou agosto começar para anunciar que aplicaria 10% de tarifas alfandegárias extras para mais US$ 300 bilhões em importações oriundas da China.
Soma-se aos atuais US$ 300 bilhões os US$ 250 bilhões que já estavam onerados com as tarifas extras. Com a medida, Trump impõe tarifas a praticamente todos os produtos originários do gigante asiático.
Antes as sanções estavam ligadas à produtos ligados à área industrial como máquinas e equipamentos, mas o novo anúncio abarca bens de consumo de todos os segmentos.
Consequências
O resultado prático para a China é que parte importante da indústria instalada no país asiático está mudando suas plantas industriais para países vizinhos. O movimento de migração das indústrias para países adjacentes ou até mesmo para países africanos e latino-americanos, não é algo totalmente novo.
O longo período de crescimento da economia chinesa fez o custo com mão de obra subir significativamente. Esse movimento forçou algumas empresas a buscar alternativas mais baratas. Caso especial é o da indústria têxtil, cujas filiais estão largamente espalhadas pelos países do oeste africano.
Acontece que com a guerra comercial em curso esse movimento de emigração das indústrias da China está se acentuando, o que deve contribuir para a gradual desaceleração da ritmo de crescimento do país.
Uma diminuição no grau de crescimento da economia já é visto e esperado pelos próprios chineses, no entanto, a guerra comercial tem tratado de acelerar esse movimento, e isso a China não permitirá.
As medidas anunciadas por Trump passarão a vigorar no dia 1 de setembro, mas a China já começou a se movimentar.
Uma Guerra Cambial se desenrola
No dia do anúncio das novas tarifas, o câmbio chinês se desvalorizou fortemente e nos dias que se seguiram a tendência de baixa do Yuan se consolidou para levar o câmbio ao maior patamar desde 2008.
A estratégia chinesa é simples. Um aumento do custo das mercadorias ocasionado pela imposição de tarifas de importação podem ser parcial ou totalmente revertido pela desvalorização da moeda chinesa.
A desvalorização da moeda é um dos artifícios mais funcionais que a China dispõe à sua economia nas próximas semanas. Com pouco mais de US$ 3,1 trilhões em reservas internacionais, a China tem uma ferramenta poderosa que pode ser mantida por um tempo relativamente prolongado.
As reservas são importantes porque uma desvalorização artificial da moeda chinesa trará consequências para o sistema financeiro local, como mais demanda por Yuan à medida que se mantém um custo relativo cada vez maior.
Tal como a emigração das indústrias para países com menor custo de mão de obra, a desvalorização do Yuan não é algo novo. Os EUA acusam a China de promover uma política cambial artificial há muito tempo. E isso já é alvo de disputa comercial há anos.
Nos últimos anos a China conseguiu emplacar o Yuan como moeda pertencente à cesta de moedas do Fundo Monetário Internacional (FMI). Com isso, a cotação da moeda em relação ao Dólar apresentou menor volatilidade nos últimos anos, movimento que deve se dissipar nos próximos meses.
Jogo de xadrez da guerra cambial
A China tem interesses de longo prazo. A estratégia de desvalorização cambial por um período prolongado, nesse contexto, pode não ser viável. O FMI pode lançar questão sobre o estímulo cambial chinês e colocar em xeque a participação do Yuan na cesta de Direitos Especiais de Saque (SDR, na sigla em inglês).
De modo geral, a tentativa chinesa de integrar as grandes instituições financeiras internacionais devem diminuir a capacidade de ação da política cambial chinesa. Pelo lado dos Estados Unidos, Trump usa a guerra para estimular a economia americana. Os sinais emitidos por Trump tem a capacidade de antecipar contratos e produções.
Em busca de defesa comercial, empresas americanas têm antecipado suas produções para escapar das eventuais majorações tarifárias. A prova disso é a dissonância do dado sobre exportações chinesas referente ao mês de julho. O mercado esperava queda de 2%, mas o verificado foi alta de 3,3%, provavelmente em função dessa antecipação de produção.
No entanto, tal como a China, os Estados Unidos têm uma ferramenta bastante controversa. Trump não poderá usar das tarifas como único meio de proteção da sua economia, ademais, o custo da guerra comercial recai sobre o empresariado norte americano, inclusive sobre o núcleo duro do seu eleitorado.
Com eleições à vista, Trump vai tateando a intensidade de protecionismo que, segundo sua visão, faria a América grande novamente, sem afetar a sua imagem até que chegue o próximo pleito.
Movimento global de desvalorização
O movimento de desvalorização da moeda chinesa criou um clima de competição entre as indústrias do sul e sudeste asiático. Para fazer frente ao ganho de competitividade que a indústria chinesa adquire a cada nova rodada da desvalorização do Yuan, os países adjacentes precisam realizar movimento cambial análogo ao chinês para não comprometer a competitividade da indústria local.
Por esse motivo, o que se viu foi um movimento de intensa desvalorização cambial nos países próximos à China. Por exemplo, Malásia, Vietnã, Indonésia, Tailândia, Cazaquistão, Coreia do Sul, Índia.
Em alguns desses países o movimento mais forte já foi parcialmente revertido, no entanto, se for verdade que a China usará do câmbio para combater na guerra comercial, será cada vez mais comum ver um processo de desvalorização em bloco, principalmente na Ásia.
Na Europa o jogo é menos intenso que nos países subdesenvolvidos. O Banco Central Europeu (BCE) pode fazer uma política cambial agressiva com vistas ao aumento de competitividade da indústria local, no entanto, esse movimento pode ser gradual.
Por ser grande fornecedora de produtos de alta complexidade econômica, o que eventualmente lhe faltar em preço, lhe sobra na capacidade industrial.
De todo modo, tal como foi feito na política monetária, a Zona do Euro pode agir em desfavor do Euro para não perder tanto terreno nos próximos meses.
Perspectivas cambiais
Desde o início do mês de agosto, o cenário externo tem sido mais relevante na precificação da moeda brasileira em relação ao Dólar americano. Como já dissemos, ainda que haja algum alívio na guerra comercial, esse é um processo que veio pra ficar, não se imagina a resolução deste conflito de forma repentina ou no curto prazo.
Vez ou outra, o assunto voltará. Com esse vai-e-vém, o valor do Real deve depreciar. Além disso, países que concorrem diretamente com a China em solo asiático estão desvalorizando o câmbio para manter alguma competitividade da indústria. Esse movimento deve ser visto também em países africanos e latino-americanos.
Em suma, a escalada da guerra comercial trouxe de volta a guerra cambial, esse movimento não deve ficar confinado apenas aos Estados Unidos e a China.
Seguimos de olho.
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André Galhardo é economista-chefe da Análise Econômica Consultoria, professor e coordenador universitário nos cursos de Ciências Econômicas. Mestre em Economia Política pela PUC-SP, possui ampla experiência em análise de conjuntura econômica nacional e internacional, com passagens pelo setor público.