O governo decidiu antecipar o envio da proposta de socorro financeiro dos estados ao Congresso Nacional. Num movimento político, Bolsonaro e sua equipe optaram por dar mais celeridade ao Plano de Promoção do Equilíbrio Fiscal (PEF) – ou simplesmente Plano Mansueto, como tem sido chamada nos bastidores, em homenagem ao secretário Nacional do Tesouro, Mansueto Almeida.
Segundo o Projeto de Lei (PL), estados que hoje se encontram com incapacidade de pagamentos, poderiam recorrer a empréstimos junto ao Tesouro Nacional para quitar suas obrigações.
Se aprovado, o PL permitirá que os estados em dificuldades financeiras tenham acesso a um volume total de R$ 40 bilhões, que serão diluídos ao longo dos próximos quatro anos.
Pelas regras atuais, apenas 13 estados estariam aptos a captar empréstimos junto a União, em função da sua nota de capacidade de pagamento (Capag) ser A ou B. Os demais estão com nota C ou abaixo disso.
Os estados que hoje não podem recorrer a empréstimos do Tesouro Nacional somam aproximadamente 49% do PIB. Desse modo, recuperar a capacidade de pagamento das unidades da federação é muito importante para que se chegue a um ambiente de retomada da economia. E, mais do que isso, um crescimento sustentável de longo prazo.
Nem a LRF impediu o caos
O importante instrumento de regulação da política fiscal, a LRF, não foi capaz de impedir que estados e municípios chegassem a uma situação caótica do ponto de vista das contas públicas.
É evidente que o desequilíbrio foi intensificado em função da regressividade da carga tributária nacional, dentre outros elementos externos, como a dependência do estado do Rio de Janeiro dos royalties do petróleo. Em outras palavras, para sair definitivamente da crise financeira, está claro que será necessária uma reforma tributária profunda e a diversificação do tecido produtivo brasileiro.
Como o problema é agudo, o executivo decidiu alterar a LRF por meio da PEF, alterando, por exemplo, o prazo de pagamento da dívida dos estados junto à União, além de impedir o aumento do salários dos servidores públicos que passem a valer no ano seguinte ao último ano de mandato dos governadores. Isso significa que a ideia é inibir a “transferência de responsabilidade fiscal’.
Contrapartidas dos estados
O estado que quiser aderir ao plano de recuperação da capacidade de pagamento deve apresentar contrapartidas a União. Desse modo, o estado postulante aos novos empréstimos deve aderir a ao menos três das oito contrapartidas disponíveis:
- privatização de estatais;
- redução de incentivos;
- revisão de benefícios;
- adoção de limite para gastos (semelhante ao que hoje pode ser visto em âmbito nacional com a Emenda Constitucional nº 95, que limitou o gasto da União em vinte anos);
- fim de vinculação de receitas além daquelas previstas pela Constituição Federal;
- unificação da gestão financeira;
- fornecimento de gás canalizado;
- e concessão ou desestatização das empresas de saneamento básico.
A despeito de colocar R$ 40 bilhões nas mãos de estados que estão em dificuldades financeiras, a União espera economizar recursos no longo prazo, uma vez que devolver a capacidade de pagamento dos estados é dar mais uma ferramenta de estímulo à economia, o que pode traduzir em maior arrecadação para os estados e municípios e, consequentemente, a União.
Vitórias, derrotas e câmbio
Para além da PEF, a última semana foi marcada por vitórias significativas do governo de Jair Bolsonaro. A primeira e mais importante foi a aprovação da MP 870 que segundo a própria ementa, estabelece a estruturação básica dos órgãos da Presidência da República e dos Ministérios.
A segunda foi a aprovação da MP 871 que dá ao governo a garantia de análise de benefícios com indícios de irregularidade. Os benefícios a serem observados estão ligados a aposentadoria, incapacidade, perícia médica, entre outros.
Ambas as vitórias trouxeram um pouco de alívio político ao presidente e ajudou a reduzir a taxa de câmbio, trazendo um movimento de valorização do Real que há bastante tempo não era visto.
No entanto, na quarta-feira (6/6) a Câmara dos Deputados tratou de reverter os ganhos políticos de Bolsonaro. Encurtaram, com amplo apoio, o prazo de validade das medidas provisórias, orçamento impositivo de emendas parlamentares de bancadas estaduais; e jogaram para a frente a aprovação de abertura de crédito suplementar no valor de R$ 248 bilhões.
Até aqui, portanto, dados políticos e econômicos são ambíguos e não mostram e nem permitem desenhar uma tendência clara dos rumos do câmbio do do andamento das reformas mais importantes.
O fato é que algo deve ser feito para sanar as contas dos estados e municípios mais endividados. Esse saneamento pode ajudar a fomentar investimentos do governo no longo prazo. E, nesse contexto, ter o governo como motor de arranque de uma economia que insiste em permanecer sem tração, parece algo urgente e indispensável.
Enquanto um caminho certo não se desenha por aqui o câmbio seguirá com grande volatilidade, como tem sido nos últimos dias.
Tendências e perspectivas
Apesar da forte valorização do Real nos últimos dias, o movimento não deve ser mais visto com a mesma intensidade.
Há espaço para a valorização do real até o nível de R$ 3,60 por dólar americano. Contudo, as disputas políticas prometem trazer um forte clima de incerteza.
Além disso, é importante observar que novos problemas decorrentes da cruzada de Donald Trump envolvendo os Estados Unidos, a China e, agora, o México prometem trazer também uma redução do apetite pelo risco no cenário externo.
Disputas políticas internas e a conjuntura político-econômica externa atuarão pela desvalorização do câmbio no Brasil nas próximas semanas. Esse movimentos que podem ser suavizados caso o governo consiga emplacar mais vitórias junto ao Congresso Nacional.
Seguimos de olho.
André Galhardo é economista-chefe da Análise Econômica Consultoria, professor e coordenador universitário nos cursos de Ciências Econômicas. Mestre em Economia Política pela PUC-SP, possui ampla experiência em análise de conjuntura econômica nacional e internacional, com passagens pelo setor público.