Visão Geral (81)
Desde março do ano passado, quando tiveram início as primeiras medidas de distanciamento social decorrentes da chegada da pandemia ao Brasil, intensificou-se o processo de desvalorização da moeda brasileira em relação ao dólar.
Um ano e meio depois, os benefícios do encarecimento do dólar norte-amerciano em solo brasileiro são, no mínimo, contestáveis.
Com essa aparente condição de inércia, resta-nos tentar entender se o atual valor da moeda brasileira joga em favor ou não da economia nacional.
Acompanhe nossa análise a seguir.
Câmbio desvalorizado, grande negócio? (220)
Para aqueles que precisam viajar para o exterior ou que precisam importar produtos e serviços estrangeiros, perguntar se o dólar mais caro traz benefícios ao país pode parecer um pouco estranho.
É claro que se você precisa trocar reais por dólares para manter a sua empresa funcionando ou mesmo para tirar uns dias de folga, quanto mais caro estiver a moeda norte-americana pior será a sua situação.
Do outro lado, se você tem uma empresa que vende produtos ao exterior e, portanto, recebe em dólares, o real desvalorizado pode significar ganhos para você.
Vantagens e desvantagens de parte à parte, o que sabemos é que, de modo geral, uma taxa de câmbio desvalorizada (dólar mais caro) pode trazer benefícios ao produtor nacional, seja pela diminuição da concorrência – pessoas e empresas importarão menos – ou pelo aumento das exportações, beneficiadas pela diminuição relativa do preço dos nossos produtos no mercado internacional.
Diante disso, usar o câmbio como parte de uma estratégia de crescimento econômico é levado à sério pela China e pela maioria dos países europeus.
No caso da China, os Estados Unidos a acusam de usar taxas de câmbio artificialmente desvalorizadas, garantindo ampla vantagem competitiva aos produtos asiáticos.
Se sabemos que o câmbio desvalorizado pode estimular a produção nacional, a perda do valor da moeda brasileira se configura em grande vantagem para a nossa economia neste momento, certo?
Errado!
As exportações brasileiras estão em alta, mas só isso não basta (161)
De janeiro a agosto deste ano, o nosso país exportou cerca de US$189 bilhões, 30% a mais que a média dos últimos dez anos no mesmo tipo de comparação.
O bom comportamento das exportações, associado ao aumento tímido das importações, tem ajudado o país a construir o maior resultado comercial positivo de toda a história em valores nominais. Nos 8 primeiros meses do ano, o saldo da balança comercial alcançou US$52,1 bilhões.
Não há dúvida de que a desvalorização do câmbio tenha contribuído com a construção deste resultado, mas não foi só isso e é aí que mora o perigo.
Parte da explicação para tão significativo resultado comercial vem do aumento dos preços das commodities minerais, agrícolas e energéticas no mercado internacional.
Agora que o crescimento chinês apresentou algum arrefecimento e a propagação da variante delta pela Europa e pelos Estados Unidos também colocou panos quentes no processo de retomada econômica, parte deste alicerce que sustenta as exportações brasileiras está em risco.
A diminuição, ou até mesmo o abrandamento do nível de atividade econômica, faz com que os preços das principais commodities diminuam, o que pode se traduzir em diminuição dos valores exportados pelo Brasil.
Mas, afinal de contas, se as exportações continuarem em alta, isso deve ser bom para o Brasil, certo?
Não necessariamente!
O câmbio como culpado (251)
Respondendo ao título deste artigo de forma muito objetiva, eu posso dizer que as desvalorizações da nossa moeda podem ser uma importante aliada no aumento do volume de exportações. Mas apenas isso não basta!
Vou organizar alguns pontos de forma muito sintética:
Quase a metade de tudo que exportamos está ligado às commodities, produtos cujos preços são construídos nas bolsas de valores a partir das forças de mercado, ou seja, estão muito suscetíveis ao comportamento econômico dos outros países.
É o que eu sempre digo aos meus alunos: é possível vermos o preço da saca de soja cair 30% em uma semana? A resposta é sim. Agora, você consegue imaginar uma diminuição da mesma magnitude no preço de um trator, uma colheitadeira ou até mesmo de defensivos agrícolas? Certamente não. Estamos muito mais expostos à volatilidade do mercado.
Uma parcela relevante do que produzimos para exportar está concentrado em “poucas” mãos, ou seja, a renda obtida dos compradores internacionais acaba tendo efeitos secundários menores sobre a economia.
A produção voltada para exportações, sobretudo essa ligada à venda de commodities, têm menor capacidade de geração de emprego quando o volume de produção aumenta. Estas empresas são intensivas em capital e não em mão de obra.
O aumento dos embarques de produtos brasileiros em direção ao exterior acabam criando escassez no mercado doméstico, o que alimenta a inflação. Foi assim com o arroz, o óleo de soja, o leite, a carne etc.
Esses são apenas alguns pontos que explicam o porquê, neste momento, a desvalorização do câmbio e o consequente aumento das exportações não têm colaborado muito com a nossa economia.
Em resumo… (203)
Dito de outra forma, o aumento das exportações não tem sido de grande serventia para tirar o Brasil da crise em que estamos.
É evidente que as exportações são boas para o Brasil, o que está em perspectiva é que neste momento elas têm sido muito menos propositivas que o habitual.
O câmbio mais caro, como vimos, encarece os produtos que compramos do exterior e acaba produzindo uma escassez de bens no mercado nacional devido ao aumento do volume exportado. Ambos os movimentos atuam no aumento da inflação por aqui.
Com o aumento da inflação, o Banco Central decide aumentar a taxa básica de juros, o que não resolve o problema dos preços, porque estão associados a componentes de oferta e o aumento do clima de incerteza produzido pelo ambiente político e ainda diminui o ímpeto da nossa retomada econômica.
Pior do que isso, o aumento da taxa de juros não produz uma melhora no nível de investimentos estrangeiros no país, sobretudo às vésperas de uma eleição presidencial.
Neste sentido, parafraseando o professor Franklin Serrano, a nossa desvalorização cambial tem sido contracionista, ou seja, tem ajudado a produzir uma diminuição do nível da nossa atividade econômica.
A ver quando o câmbio voltará a ser grande aliado.