O derretimento do Real, por André Galhardo

Desde o início do ano a moeda brasileira tem perdido força em relação ao dólar americano. O movimento visto até o começo do mês de março tem se mostrado como um dos mais agudos desde o primeiro impacto da pandemia no Brasil, em abril e maio do ano passado.

Essa desvalorização do Real não tem sido observada apenas pela profundidade em âmbito doméstico, a divisa brasileira vem perdendo força mais rapidamente que a de seus pares e  mesmo em países onde existem problemas crônicos e graves com as contas externas, como é o caso argentino, não há uma desvalorização da moeda local tão aguda como a registrada aqui no Brasil.

O problema deste processo, ainda em curso, é que ele traz prejuízo às pessoas. Pela primeira vez desde 2016 nós veremos o índice oficial de preços extrapolar o teto da meta de inflação. Neste ritmo de desvalorização, a inflação pode representar um importante problema ao país este ano.

Acompanhe nossa análise a seguir.

A perda de valor do real e o impacto na inflação do país

Por razões políticas, econômicas e sanitárias, a moeda brasileira tem perdido valor de forma sistemática em relação ao dólar americano desde o começo do ano. Apesar de menos agudo, o movimento é similar ao que aconteceu com a chegada da pandemia ao país. Do início deste ano até o dia 2 de março, o Real havia perdido cerca de 10% do seu valor quando comparado com o dólar.

Uma das principais preocupações acerca da rápida desvalorização da moeda brasileira é o impacto que essa tem ocasionado ao nível de preços domésticos. Segundo o Instituto Brasileiro de Economia (IBRE) o IGP-M anual de fevereiro ficou em 28,94%, a maior inflação medida pelo índice desde maio de 2003, quando o país ainda sentia os efeitos de uma forte desvalorização do Real em função da disputa presidencial de 2002.

O índice de preços do IBRE é uma média ponderada dos preços praticados no atacado (60%), ao consumidor (30%) e ao setor de construção civil (10%). Como o aumento dos custos decorrentes da desvalorização cambial tende a ser repassado mais rapidamente para a base da cadeia de suprimentos, o aumento destes custos ao setor atacadista tem feito o IGP-M atingir as máximas em 18 anos.

Mas isso não é tudo! Parte desse aumento dos preços no setor atacadista tem sido transmitido ao consumidor final. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a inflação oficial (IPCA) acumulou variação anualizada de 4,56% em janeiro de 2021.

Segundo estimativas da Análise Econômica Consultoria, a inflação anualizada deve romper o teto da meta de inflação em abril deste ano e deve alcançar cerca de +6,1% em maio. É a primeira vez que veremos o rompimento do teto da meta de inflação desde 2016.

Com a desvalorização cambial vista nos últimos dias, o quadro de inflação pode ficar ainda mais desafiador, o que pode obrigar o Banco Central a agir (inutilmente) aumentando a taxa de juros em um ambiente onde prevalece o desemprego elevado e ausência de tração econômica.

Desempenho da moeda brasileira comparado com outras divisas

Um rápido levantamento nos mostra que o Real é a moeda que mais perdeu valor em 2021 quando comparado com outras 12 maiores economias emergentes.

Do início do ano até o dia 2 de março, o real perdeu cerca de 10% do valor em relação ao dólar americano. Trata-se de um dos processos mais agudos de desvalorização do Real, desde o início da pandemia.

Enquanto a divisa brasileira vem perdendo, de forma crônica, força em relação ao dólar americano, outras moedas têm apresentado comportamento muito mais satisfatório. O Rublo russo, a Lira turca e a Lira egípcia ganharam terreno em relação à moeda dos Estados Unidos e recuperam parte da desvalorização vista em 2020.

Apesar das investidas do governo sobre a cotação da moeda, também é importante destacar que o Yuan chinês também tem avançado sobre a moeda americana.

Mesmo em países onde a situação das contas externas são preocupantes, como no caso da Argentina, a desvalorização da moeda local não foi tão aguda como no Brasil. Desde o começo do ano o Peso argentino perdeu cerca de 7,2% do seu valor e atingiu o pior nível desde novembro de 2019.

África do Sul, Índia, Indonésia e México, por exemplo, apresentam desvalorizações mais coerentes que as do Real e do Peso argentino. Em 2021, essas moedas perderam 2,09%, 0,36%, 2,03% e 3,95%, respectivamente do seu valor em relação ao dólar americano.

Prognóstico

Na terça-feira (2), a moeda americana atingiu a maior cotação em reais desde o dia 3 de novembro do ano passado. Parte da explicação da desvalorização da moeda brasileira vem, além das razões mais óbvias, ligadas à pandemia, das decisões políticas após o aumento do preço dos combustíveis ao consumidor.

A tentativa de barrar o aumento via ingerência política tem trazido turbulência ao mercado financeiro. O principal índice da B3, o Ibovespa, atingiu o menor nível em quase três meses  nesta terça-feira (2), após alcançar os 107,3 mil pontos. A ingerência política também tem trazido problemas ao câmbio.

E quanto mais se avança nas ingerências políticas, maior a taxa de câmbio e, consequentemente, mais necessitado estará o governo de agir para evitar aumentos de preços. Quanto maior a interferência política, maior também será a quantidade de Real exigida para comprar uma moeda americana. 

Trata-se de um ciclo vicioso interminável cujos resultados são perigosos ao país.

Veremos.

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