O ano de 2020 tem sido desafiador para o Brasil e todos os seus pares da América Latina. Para além das questões de saúde pública, os países chamados agora de emergentes enfrentam intensa volatilidade cambial e econômica que certamente cobrarão um preço elevado nos próximos meses.
Depois de registrar a maior saída de dólares em quase quarenta anos em 2019, o Brasil está, de novo, com importante fuga de capitais em 2020. Dos nove primeiros meses deste ano, em apenas duas oportunidades o saldo do movimento de câmbio contratado foi positivo.
Neste contexto, quais movimentos podemos esperar para os últimos três meses deste ano e a quais riscos estamos submetidos?
Acompanhe nossa análise a seguir.
O movimento dos dólares
De janeiro a abril deste ano, o saldo do movimento de câmbio no Brasil havia ficado negativo em US$12,73 bilhões. O resultado do primeiro quadrimestre, com quatro meses seguidos de saldos mensais negativos, foi fortemente influenciado pelo número do mês de março.
Foi justamente no mês de março que municípios e estados começaram a implementar as medidas de distanciamento social na tentativa de conter a propagação do novo coronavírus. Naquele mês, o saldo ficou negativo em US$6,56 bilhões.
A despeito dos resultados positivos de maio e agosto, US$3,1 bilhões e US$602 milhões, respectivamente, o saldo acumulado em nove meses está negativo em US$18,7 bilhões. Na comparação com igual período do ano passado, o saldo de 2020 é, até aqui, 44% “mais negativo”.
A situação brasileira só não é pior porque os saldos mensais de câmbio contratado para fins comerciais tem sido persistentemente positivos. De janeiro a 9 de outubro deste ano, o saldo contratado para fins comerciais apresentou-se positivo em pouco mais de US$33,7 bilhões.
É importante destacar que os resultados comerciais têm sido expressivamente positivos em função da desaceleração da atividade econômica nacional e do aumento de exportações de commodities, no entanto, para fins de saldo de câmbio contratado, esses recursos têm ajudado a amenizar a conta.
Impacto na economia doméstica
Alguns dos resultados dessa saída maciça de dólares do Brasil já são nossos conhecidos. Basta olhar para o comportamento dos preços do arroz, do óleo de cozinha ou das carnes, por exemplo.
Com o aumento do clima de incerteza econômica, o real tem perdido bastante valor para as moedas que compõem a cesta do FMI.
Essa desvalorização da moeda brasileira tem servido de grande estímulo para as nossas exportações, sobretudo dos produtos básicos como, por exemplo: soja, arroz, óleo de soja, carnes e leite.
A exportação de produtos agrícolas cresceu, em média, 15% de janeiro a setembro deste ano, na comparação com igual período do ano passado. Com destaque para o aumento das exportações de arroz, que cresceram 172%, de mel (+44%), produtos hortícolas (+38%), algodão (+36%), sementes (+36%) e soja (+28%).
O resultado desta combinação, como já havia escrito mais acima, está aí, a olhos vistos.
Segundo o Instituto Brasileiro de Economia (IBRE- FGV), a inflação medida pelo IGP-DI acumulada em 12 meses encerrou o mês de setembro com uma variação de 18,44%. O IGP-M, no mesmo período registrou inflação de 17,94%.
Ambos indicadores foram influenciados pelo aumento dos preços no atacado, onde o impacto da desvalorização cambial foi, e está sendo, sentido com maior magnitude. O IPA-DI – componente do IGP-DI que mede a variação dos preços no atacado – registrou aumento de 26,03% nos doze meses encerrados em setembro deste ano.
Tanto IGP-DI como IGP-M registraram as maiores variações anuais desde setembro de 2003.
Conjuntura econômica internacional
É importante lembrar que, mesmo sabendo que o principal contributo para a forte desvalorização da moeda brasileira nos últimos meses tenha sido a pandemia, fatores políticos domésticos também têm contribuído para a fuga de capital do país. A prova disso vem do volume de recursos que deixou o Brasil em 2019.
No entanto, não são só os problemas políticos domésticos ou a pandemia que têm influenciado a cotação do real.
A eleição americana, marcada para o dia 3 de novembro, também tem trazido desequilíbrios ao Brasil e aos demais países subdesenvolvidos.
A reeleição de Trump ou a vitória do Democrata Joe Biden, significam rumos diferentes para a economia global, ainda que tudo não passe, até aqui, de especulação.
Além da disputa pela cadeira da Casa Branca, o ambiente de campanha tem impedido que Democratas e Republicanos cheguem a um denominador comum, no que diz respeito a aprovação de um novo pacote de estímulo fiscal para este ano.
Entre muitas idas e vindas, essa semana o secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Steven Mnuchin, já disse que não haverá qualquer avanço neste assunto antes do pleito do mês que vem.
Além dos imbróglios político e econômico na economia americana, uma segunda onda de contágio pelo novo coronavírus na Europa ocidental têm trazido dor de cabeça aos investidores internacionais.
O importante aumento de casos em Portugal, Espanha, França, Itália, Alemanha e Reino Unido exigirão, como já tem sido feito, novas e duras medidas de distanciamento social, o que certamente trará mais volatilidade ao mercado de ações e de câmbio.
Impactos no câmbio
Com relação a saída de dólares do Brasil, ela não é necessariamente um problema. Em um ambiente de finanças altamente globalizadas, como o que vivemos, é impossível conter alguns movimentos.
O problema é que no Brasil essa saída de dólares tem se mostrado crônica e, o volume de recursos que tem deixado o país nos últimos meses somam quantias expressivas.
E tudo isso acontece em um ambiente desafiador tanto do ponto de vista da economia e política domésticas, quanto no que diz respeito à conjuntura internacional.
Está claro para nós que boas notícias podem trazer o dólar de volta para baixo dos R$5,00 muito rapidamente, mas também está claro que os sinais políticos e econômicos emitidos nas últimas semanas tendem a trazer mais desvalorização para a moeda brasileira.
Antes do término das eleições americanas, do controle de contágio pelo novo coronavírus na Europa e da retomadas da agenda de reformas no governo brasileiro, a tendência é de desvalorização da moeda brasileira, como tem sido, desde meados de 2019.
Veremos!