Visão Geral
Nas últimas semanas nós vimos uma mudança importante no comportamento da taxa de câmbio brasileira.
O dólar americano chegou a ser cotado acima dos R$ 5,97 no último dia 14 de maio, quando as instabilidades políticas domésticas e o clima de incerteza acerca da economia global, afetaram fortemente a moeda brasileira.
De lá para cá vimos a nossa moeda chegar ao patamar dos R$ 5,20 pela primeira vez em mais de um mês.É certo que a situação cambial nos parece mais aprazível agora do que nos parecia há quinze dias, mas esse movimento é permanente? Que outras indicadores poderiam sustentar que a situação está, de fato, melhor?
Acompanhe nossa análise a seguir.
Fuga de dólares
Segundo o Banco Central, neste ano, até o dia 22 de maio, o movimento de câmbio contratado ficou negativo em USD 10,3 bilhões.
Apenas para fins de comparação, em 2019, ano recordista no quesito saída de dólares do país, o resultado acumulado até o início de outubro era de USD 13 bilhões.
Nossa situação em 2020 só não é mais crítica em função do volumes de recursos que ingressam na balança comercial. A despeito da situação caótica pela qual passa a economia global, o Brasil tem conseguido acumular importantes superávits primários nas últimas semanas.
A propósito, os saldos comerciais foram construídos na magnitude que estamos acompanhando justamente pela desaceleração da nossa economia. Isso não se configura um risco, ademais nossa posição de investimento internacional é relativamente confortável, não pela magnitude, afinal temos em estoque um déficit de USD 594,3 bilhões, mas pela relativa estabilidade.
Olhando para o mercado financeiro
É Importante direcionarmos olhar também para o mercado financeiro onde, neste caso em particular, é notória a saída de recursos. Segundo os dados da B3, a bolsa brasileira, em 2020, o volume de recursos de estrangeiros que saiu da bolsa ultrapassa a marca de R$ 70 bilhões.
O movimento chama a atenção, uma vez que, antes da pandemia do Covid-19 se tornar um tema central nas análises econômico-financeiras, a bolsa brasileira ultrapassava os 120 mil pontos – com perspectiva de patamares até mais elevados.
Nesse sentido, a saída de investidores estrangeiros da bolsa – obviamente, sem considerar o mercado primário, portanto, IPO e follow on – é um contraste bastante significativo. A percepção de boa parte dos analistas é que os investidores já estavam receosos com os países emergentes, incluindo o Brasil.
E havia motivos para isso, afinal: guerra comercial, conflitos políticos e, em seguida, coronavírus.
E os investimentos produtivos?
Os números da relação comercial e financeira do Brasil com o resto do mundo apontam para um grave problema no mês de abril.
Dados do balanço de pagamentos mostram que o Brasil recebeu apenas USD 234 milhões em recursos sob forma de investimento direto no país, muito abaixo dos USD 5,1 bilhões registrados no mesmo mês do ano passado.
O movimento está alinhado ao menor ímpeto estrangeiro na bolsa e confirma que, no mercado primário, de modo similar ao secundário, o investidor estrangeiro ainda se mantém atento, desconfiado e pouco confiante com os emergentes, em particular com o Brasil.
É verdade que a propagação do novo coronavírus será responsável pela queda de atividade econômica mais abrupta de que se tem registro, portanto, movimentos anormais são esperados para os próximos meses, no entanto, essa é só uma meia verdade.
De janeiro de 2011 a abril de 2020 a média mensal de investimentos diretos no país é de aproximadamente USD 6,6 bilhões. Se pegarmos os dados de janeiro de 2020 até o último mês disponível, teremos uma média de USD 6 bilhões, enquanto que a média do primeiro trimestre deste ano é de USD 5,9 bilhões, pior primeiro trimestre desde 2015.
Movimento de dólares no mundo
Apesar da saída de dólares do Brasil não ser um grave sinal de alerta, especialmente graças aos colchões que fomos capazes de construir desde a virada deste século, é notória a diminuição do interesse do capital estrangeiro pelo Brasil nos últimos anos.
Mas também é importante observar que este movimento não se restringe ao Brasil. De fato, é um movimento bastante comum em momentos onde a incerteza é muito elevada e, por conta disso, investidores buscam alternativas seguras para manter seus recursos. O dólar se torna refúgio em momentos de incerteza graças ao “privilégio exorbitante”.
É recorrente e relevante lembrar que, apesar de termos uma cesta global de moedas de referência, a chamada Special Drawing Rights – SDR (ou simplesmente Direitos Especiais de Saque – DES), desde o final da Segunda Guerra Mundial o dólar é utilizado como principal moeda para reservas internacionais e, portanto, para realizar comércio.
Isso fez com que o Dólar se tornasse uma moeda cobiçada internacionalmente. E, como Estados Unidos são os responsáveis pela emissão da moeda, é para lá que a moeda sempre retorna em momentos de maior tensão e desconfiança por parte dos investidores.
Perspectivas
Olhando, portanto, mais atentamente ao Brasil, podemos seguramente dizer que nunca saiu tanto dólar do país em um único ano como saiu em 2019. O saldo do ano passado é quase três vezes maior do que o recorde anterior, em 1999, quando da mudança de regime cambial de fixo para de flutuação administrada.
Mas não nos esqueçamos justamente que no já longínquo ano de 1999, o Brasil passava por graves problemas de reservas após quase cinco anos mantendo um câmbio fixo. Os problemas eram tão grandes que o país precisou recorrer a um empréstimo de US$ 40 bilhões junto ao FMI. Além disso, o mundo passava por uma série de crises, como a mexicana, a russa, a argentina e a asiática.
E esse comportamento, de saída de recursos estrangeiros, não se restringe ao mercado de capitais. Os investimentos nos chamados ativos fixos, ou seja, investimentos produtivos que financiam diretamente, por exemplo, bens de capital e desenvolvimento tecnológico, também estão diminuindo nos últimos anos.
Isso posto, é correto afirmar que os estrangeiros estão desistindo do Brasil? Sim. E esse movimento deve perdurar enquanto a pandemia e a instabilidade política doméstica se estender. Os problemas econômicos e políticos brasileiros podem impulsionar essa deterioração da imagem brasileira. Por fim, devemos lembrar que, como pano de fundo da pandemia, ainda temos uma rixa entre EUA e China, que não mostra sinais de arrefecimento.
Assim sendo, entre o curto e médio prazos, o cenário está dado e, objetivamente, sem levar em consideração eventuais intervenções do Banco Central, o Real deve se manter depreciado.
Veremos.