Os investimentos estão indo embora do Brasil?

A notícia é importante não só pelos milhares de empregos diretos e indiretos que serão perdidos a partir da decisão da Ford em deixar o país, mas pelo prognóstico. Ano passado a Sony anunciou a saída do país e outras grandes montadoras também optaram por encerrar as operações por aqui.

O que esses movimentos significam para o Brasil? Trata-se de um movimento mais amplo ou reflete apenas a vontade de um dos players presentes no mercado automotivo brasileiro?

Acompanhe nossa análise a seguir.

Investimentos produtivos

É evidente que algumas coisas pesam nessa decisão. A primeira delas é que a Ford já estava no país há mais de cem anos. Trata-se de uma mudança importante de rumo no setor. A segunda é que o mercado automobilístico, tal como diversos outros setores, está mudando muito rapidamente, o que poderia ser subentendido na exclusão parcial ou integral do Brasil nesta cadeia global de valor.

Eu já usei este espaço para falar diversas vezes sobre os investimentos produtivos no Brasil e alertei para o fato de que os ingressos deste tipo de recursos estavam ficando extremamente escassos nos últimos meses.

O investimento direto no país (IDP) compreende os recursos estrangeiros que ingressam no país com a finalidade específica de investimentos, ou seja, a aquisição de terras, prédios, máquinas, equipamentos e até mesmo empresas já domiciliadas no país.

Este tipo de investimento é diferente do chamado investimento em carteira, que compreende os recursos estrangeiros que visam a compra de ativos financeiros como, por exemplo, ações e títulos públicos.

O volume de IDP tem caído sensivelmente nos últimos meses, sobretudo a partir do último trimestre de 2019. Como os números mensais são carregados de volatilidade, quando olhamos a média móvel trimestral, o volume de IDP registrado no trimestre encerrado em novembro do ano passado foi o menor desde 2006.

É evidente que a pandemia afetou fortemente o fluxo de investimento em nível global, portanto, é inegável a influência de eventos atípicos no ingresso de investimento no país.

Apesar disso, mesmo diante da gravidade da crise econômica decorrente causada pela pandemia, a mais aguda em quase um século, não podemos imaginar que tudo seja culpa do acaso e ignorar todos os nossos destinos.

O comportamento dos investimentos diretos é semelhante ao comportamento do câmbio. A maxidesvalorização acompanhada em 2020 foi, de fato, causada pela pandemia, mas a nossa moeda já vinha acumulando importantes perdas desde o início de 2018, mais de um ano antes do primeiro caso de coronavírus confirmado no país.

A diminuição dos investimentos produtivos no país é uma conjunção de fatores exógenos e endógenos que nos coloca em uma situação bastante delicada.

Mercado financeiro

No mercado financeiro a situação não é muito diferente. O último relatório do setor externo do Banco Central aponta que, de janeiro a novembro do ano passado, o saldo de câmbio contratado havia ficado negativo em US$ 46,8 bilhões.

O mercado financeiro tem comemorado o ingresso de recursos no país, sobretudo no mercado de ações e, de fato, esse mercado contribuiu para a construção do primeiro resultado mensal positivo do ano, aconteceu em novembro, quando o saldo entre compra e venda de dólares no mercado financeiro ficou positivo em pouco mais de US$ 6 bilhões.

Apenas a título de comparação, de janeiro a novembro de 2019, ano em que quebramos todos os recordes negativos de fuga de capital do país, o saldo havia ficado em US$ 42,3 bilhões.

Ao incluir no cálculo os saldos do câmbio contratado para operações comerciais como exportação e importação, o valor acumulado entre janeiro e novembro de 2020 ficou negativo em US$ 19,6 bilhões, abaixo do déficit registrado no mesmo período de 2019, US$ 27,2 bilhões.

É um quadro agudo de saída de recursos que tem sido levemente atenuado pela oportunidade construída na bolsa de valores brasileira.

E o câmbio?

Está claro que o Brasil sofre com a debandada de recursos estrangeiros cuja finalidade é o investimento em ativos financeiros. O que também está ficando claro é que o Brasil tem deixado de participar ainda mais das cadeias globais de valor.

A saída da Sony, Mercedes-Benz, Ford e outras grandes empresas estrangeiras, mostram mais que uma saída de recursos do país e vão muito além dos impactos de curto prazo como a perda de emprego, por exemplo. A saída das grandes empresas mostram que o Brasil não está na rota de inovação que essas empresas estão promovendo lá fora, inclusive em países da América Latina.

Tudo isso gera um clima de incerteza de curto e médio prazo e culmina com a diminuição permanente de recursos estrangeiros ao país, o que contribui ainda mais para a perda de poder aquisitivo da real em moeda estrangeira.

Veremos.

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