Visão Geral
Desde o mês de março, os brasileiros vêm assistindo de casa à deterioração da economia. Estamos há quase três meses seguindo as orientações de distanciamento social e, como não podia deixar de ser, os impactos sobre a atividade econômica são profundos.
De certo modo, o necessário distanciamento social, pode apresentar impactos mais brandos no Brasil que nos Estados Unidos, por exemplo, mas isso decorre justamente da nossa pobreza, característica de um país com quase 40 milhões de pessoas que vivem na informalidade.
A propósito, esse é um dos fatores que explicam o recorde diário no número de casos e, em breve, a vice liderança no número de mortos em nível global. Os impactos desta crise são grandes e muito difíceis de serem apagados.
Acompanhe nossa análise a seguir.
Setor industrial
Segundo o IBGE a produção industrial brasileira recuou 18,8% na passagem do mês de março para o mês de abril. A queda é ainda mais relevante se compararmos abril deste ano com o mesmo mês do ano passado, queda de 27,2%.
O resultado do mês de abril foi a queda mais pronunciada que nós tivemos desde que o IBGE começou a medir esses dados. Em maio de 2018, mês da greve dos caminhoneiros, a queda mensal foi de 11%. Na comparação com a greve dos caminhoneiros duas coisas são importantes.
A primeira é que em junho de 2018, a demanda reprimida ajudou a reverter totalmente a queda do mês da greve. Em junho de 2018 a indústria brasileira cresceu 12,9% em relação ao mês de maio.
A segunda é que, pela fraqueza da economia brasileira nos últimos meses, bastou um pequeno “pedaço” do mês de março ser atingido pelas medidas de distanciamento social que a indústria nacional já apresentou recuo de 9% na comparação com o mês de fevereiro.
Nós estamos no menor patamar de produção industrial de toda a série histórica disponibilizada pelo IBGE cujo início se dá em janeiro de 2002. Estamos 38% abaixo do nível produtivo do recorde desta série histórica, que se deu em maio de 2011.
A queda mais pronunciada, como não podia deixar de ser, aconteceu no setor industrial que produz máquinas e equipamentos produtivos, ou seja, as perspectivas para o futuro no curto prazo são as piores possíveis para o empresário brasileiro.
Diferentemente do que aconteceu em 2018, a recuperação deve ser mais distendida desta vez. O ambiente pós-pandemia é um ambiente de diminuição de massa salarial e maior propensão a poupar por parte daqueles que ainda dispõem de renda recorrente.
Setor de serviços
Os dados do setor de serviços referente ao mês de abril ainda não foram disponibilizados, mas espera-se um tombo grande, mesmo tendo acompanhado uma queda de 6,9% na passagem do mês de fevereiro para o mês de março.
O acompanhamento do setor de serviços é relevante porque mais de 70% do PIB brasileiro vem deste setor, ou seja, acompanharemos, a partir da semana que vem, o desmantelamento do maior setor econômico brasileiro.
Os serviços prestados às famílias recuaram mais de 31% no mês de março. Na comparação com o mesmo mês do ano anterior a queda foi superior a 33%
A situação do setor de serviços só não foi mais degradada pelo aumento dos serviços de comunicação e pelo próprio desempenho das exportações brasileiras, amplamente beneficiadas pela maxidesvalorização cambial vista na pandemia.
Uma parcela importante da explicação acerca da baixa produtividade brasileira decorre justamente do excesso do setor de serviços sobre a produção total brasileira. A pandemia nos empurrou ainda mais para este setor, sobretudo para as atividades menos nobres desta categoria. Os impactos do aumento do setor três da economia em detrimento do setor dois é devastador para a economia brasileira no médio e longo prazo.
Políticas públicas de incentivo à economia
Diante da óbvia dificuldade do setor privado permanecer de pé, uma alternativa para a economia brasileira seria a atuação do estado. Essa atuação teria o propósito de manter a demanda agregada elevada.
De modo geral, como uma parcela importante da iniciativa privada está com dificuldade em manter seus funcionários ou de realizar investimentos, o estado poderia agir ocupando esses espaço deixado pelas empresas.
Ao investir em infraestrutura, por exemplo, o estado consegue realizar as duas coisas, manter o cidadão empregado, e consumindo, e investir, justamente em áreas que acabam por endossar o que convencionou-se chamar de custo Brasil. Decorre que, das atitudes e palavras do atual ministro da economia saem só duas palavras, univitelinas, diga-se de passagem, austeridade fiscal e reformas.
Não que as reformas não sejam importantes, nem tampouco devemos ignorar a boa prática ligada ao gasto do dinheiro público, no entanto, se nós quisermos encurtar o caminho de volta para o crescimento devemos pensar em demanda agregada.
Se a iniciativa privada está com dificuldade em manter o nível de atividade econômica, caberá ao estado trabalhar pela manutenção do nível de emprego e de investimentos. Este pensamento está sendo deixado de lado pela equipe econômica atual, que mantém o pensamento alinhado aos mecanismos que tínhamos antes da pandemia.
Câmbio
É claro que uma parte importante da desvalorização cambial frente ao dólar e outras moedas vista nas últimas semanas decorreu de outros fatores, além da pandemia e da crise política nacional.
Eventos externos agudos como o ataque às refinarias da Arábia Saudita e a disputa entre Rússia e Arábia Saudita acerca do nível de produção de petróleo em nível global, são dois fatores que pesaram bastante sobre o dólar no mercado internacional.
No entanto, também é inegável que uma parcela relevante das explicações acerca da desvalorização cambial vista em abril e maio deste ano tenha decorrido das instabilidade políticas domésticas.
Uma das formas de ver a influência dos fatores domésticos sobre o câmbio, é a trajetória do dólar no período que antecedeu as primeiras contaminações pelo novo coronavírus na China.
Já era possível ver uma forte tendência à desvalorização do câmbio antes do assassinato de Qasen Soleimani, dos ataques às refinarias, do Ucraniagate e até da escalada das tensões comerciais entre China e Estados Unidos.
O que a pandemia faz foi agudizar o processo. Mais que isso, a pandemia abriu caminho para a possibilidades de novas maxidesvalorizações, aquelas que podem ocorrer, quando a pandemia acabar e nós tivermos uma crise genuinamente brasileira.
Uma crise política que terá como pano de fundo a crise fiscal que já exista antes da covid-19 e que colocará em rota de colisão a necessidade de ação do estado com os dogmas do Ministério da Economia.
Veremos.