A moeda americana avançou sobre o real nesta última semana provocando um movimento cambial atípico se comparado com outras moedas de países emergentes. O movimento aconteceu basicamente em função de o mercado entender que o governo está flertando com um desequilíbrio fiscal mais prolongado.
Além da questão fiscal, o mercado precificou a ação do governo em defender que alguns gastos sociais tenham como provimento o dinheiro que antes seria endereçado ao Fundeb ou ao pagamento de precatórios, gerando um clima de incerteza fiscal semelhante ao que foi visto em 2013-2014, quando o assunto da contabilidade criativa veio à tona com força no Brasil.
Diante desse imbróglio, o que se espera é que, enquanto esse assunto estiver em pauta, teremos um ambiente com bastante volatilidade cambial.
Acompanhe nossa análise a seguir.
A situação das contas públicas
Segundo o Banco Central, o setor público consolidado apresentou um déficit primário de R$ 87,6 bilhões, no mês de agosto. Trata-se do maior déficit para os meses de agosto de toda a série histórica. Antes de 2020, o pior resultado mensal para meses de agosto havia acontecido em 2016, quando o governo consolidado registrou um déficit primário de R$ 22,3 bilhões.
Na comparação mensal, o resultado de agosto foi pior que o resultado registrado no mês imediatamente anterior. Em julho, o déficit primário foi de R$ 81,1 bilhões. Somados, os déficits registrados em maio e junho, atingem a monta de R$ 320,1 bilhões.
A situação teria sido ainda pior caso os governos regionais, estados e municípios, não tivessem sido capazes de gerar os resultados primários que registraram. No mês de agosto, além dos governos regionais, as empresas estatais também contribuíram para a diminuição do déficit primário construído pela União.
Ao somar os resultados dos últimos doze meses, o resultado primário do governo consolidado ficou negativo em R$ 611,3 bilhões. De modo bastante simples, é o mesmo que dizer que de setembro de 2019 a agosto deste ano, o governo gastou R$ 611,3 bilhões a mais que arrecadou. Esses R$ 611 bilhões representam cerca de 8,5% do PIB.
Em março, “antes” da chegada da pandemia ao Brasil, o déficit primário brasileiro acumulado em 12 meses era de R$ 63,5 bilhões, ou cerca de 0,87% do PIB.
Por mais incrível que isso possa parecer, o déficit primário não é a principal preocupação do governo neste momento. Na verdade, até mesmo os investidores do mercado financeiro têm sido complacentes com as informações de déficit desde que a pandemia começou, ademais, por razões óbvias, os números serão muito ruins até que se finde o estado de calamidade pública.
Então por que a cotação do dólar continua tão elevada e com tanta volatilidade?
Um dos motivos é a evolução da dívida pública.
Situação da dívida pública
Se o governo não consegue criar poupança, ou seja, gastar menos que arrecada, é claro que isso se materializa sob forma de dívida, afinal, alguém precisa pagar as obrigações do Estado.
Portanto, não é nenhuma surpresa que diante de um cenário fiscal bastante desafiador a nossa dívida pública esteja aumentando.
O grande problema é de onde partimos no começo da pandemia. E, claro, onde estaremos ao final dela.
Segundo o Banco Central, o governo geral fechou o mês de agosto com uma dívida bruta de R$ 6,4 trilhões. Esse volume de dívida equivale a 88,8% do PIB. Apenas a título de comparação, no ano passado, em dezembro, a dívida bruta era de R$ 5,5 trilhões, ou cerca de 75,8% do PIB.
Trata-se de um incremento de quase um trilhão de reais em oito meses, criado a partir da brusca queda da arrecadação em função da diminuição do ritmo da atividade econômica e do aumento dos recursos gastos no bojo da pandemia.
Na conceito de dívida líquida, ou seja, aquele que desconta da dívida bruta os ativos não-financeiros do Estado, em agosto o resultado foi de R$ 4,4 trilhões, acima dos R$ 4,1 trilhões registrados em dezembro de 2019.
Neste caso da dívida líquida, por mais paradoxal que possa parecer, a situação só não foi pior em função do agudo processo de desvalorização da moeda brasileira em relação às principais moedas dos países desenvolvidos. De modo geral, o fato de o real perder valor em relação ao dólar, por exemplo, ajudou a diminuir o ritmo de aumento do endividamento líquido.
Estimativas do órgão independente do Senado Federal indicam que a dívida bruta alcançará os 96,1% do PIB até o mês de dezembro. Então, o quadro fiscal brasileiro ainda se deteriorará bastante até o final de 2020.
Mas não é só a dívida que tem causado problema para a cotação do real em relação ao dólar. A condescendência do governo com um quadro fiscal deficitário tem chamado a atenção do mercado.
Recomendações do Banco Central
Resumindo o que foi escrito até aqui: o governo está arrecadando menos recursos em função da queda da atividade econômica e têm gasto além do habitual em razão da latente necessidade que se tem neste ambiente de pandemia.
O Banco Central tem chamado a atenção para o fato de que para a inflação permanecer sob relativo controle e, portanto, para que a taxa de juro estrutural se mantenha em patamares relativamente baixos para o Brasil, será necessário que o Estado continue engajado na aprovação das reformas, a saber: a administrativa, emergencial e tributária, por exemplo.
Acontece que nos meses de setembro a dezembro o governo discute o orçamento para o ano seguinte. E no bojo dessas discussões, o poder executivo decidiu levar adiante a expansão dos gastos sociais, enviando um recado de que a opção da saída sob marcha forçada estaria se sobrepondo ao modelo de austeridade – cortes de gastos – proposto pelo atual ministro da economia.
Aqui não vamos discutir se o programa é bom ou ruim, ou se é o momento de debater austeridade fiscal, porque isso demandaria mais alguns textos de tamanho similar a este.
O que está em jogo é o seguinte: os resultados das contas públicas são muito ruins e o incremento da dívida tem sido intenso. Portanto, para o mercado, esse não é o melhor momento de se discutir novas despesas.
Impactos no câmbio
Para o mercado, mais despesas significam, a priori, maior endividamento público. Se a dívida sair de controle e o Brasil se mostrar incapaz de reduzir o ritmo de endividamento a partir de 2021, a curva de juros tende a aumentar sensivelmente. E isso indica que o Copom terá que agir e aumentar a taxa básica de juros.
Esse aumento da taxa básica de juros poderia alimentar o endividamento via resultado nominal, conceito que não foi discutido neste texto.
O que está no radar do mercado financeiro é a solvência do Brasil. Não que estejamos perto de um calote ou que voltaremos à década de 1980, mas o descontrole das contas públicas pode realimentar outras importantes variáveis, tal como a taxa de câmbio.
O medo de o Brasil aplicar uma rasteira em si mesmo, trabalhará por trazer grandes volatilidades ao mercado de câmbio.
A boa notícia é que quando a discussão sobre o orçamento terminar nós “só” teremos que lidar com as consequências
Apertem os cintos.