Por que o real tem se valorizado tanto?

Visão Geral

A moeda brasileira tem sido a divisa comum dos melhores desempenhos do mundo nas últimas semanas.

Além do dólar, do euro e da libra esterlina, o real tem avançado sobre todas as demais moedas de países em desenvolvimento.

Diante dessa valorização surgem duas perguntas importantes: por que a moeda brasileira tem apresentado tamanha valorização nas últimas semanas e até quando deve durar este movimento?

Acompanhe nossa análise a seguir.

Taxa real de juros

O aumento dos preços ao consumidor é um fenômeno global que tem sido sentido em maior grau pelas economias emergentes como o Brasil e a Turquia (Türkiye – Erdogan mudou o nome do país), por exemplo.

A inflação nos Estados Unidos, hoje em 7,5%, é a mais alta desde fevereiro de 1982, quando a maior economia do mundo ainda enfrentava o aumento dos preços provocados pelo segundo choque do petróleo.

Na Zona do Euro, os 5,1% de inflação acumulada em doze meses é o mais elevado de toda a série histórica disponível. Pior que isso, alguns países da União Europeia apresentam níveis de inflação alarmantes para os padrões europeus, como é o caso da Polônia, cuja inflação anual chegou a 8,6% em janeiro.

No Brasil e na Turquia, além dos motivos que levaram os países desenvolvidos a registrar forte aumento da inflação, existem componentes endógenos que atuam para deixar a coisa ainda mais desafiadora.

Na Turquia, as recorrentes ingerências do poder executivo sobre a atuação do banco central local têm ajudado a produzir uma inflação que já se aproxima dos 50% em termos anuais, e no Brasil, a crise hídrica somada a episódios de forte desvalorização do real colocaram o IPCA de novembro do ano passado no maior nível desde o final de 2003.

Não importa o motivo, os recentes e agudos aumentos de preços têm obrigado os bancos centrais a entregar respostas à sociedade, elevando rapidamente a taxa básica de juros.

A necessidade de aumentar os juros, segundo os próprios bancos centrais, é ancorar as expectativas e diminuir o risco de um ciclo vicioso e “automático” de aumento da inflação.

O grande problema aqui, pelo menos no caso do Brasil, é que a taxa básica de juros, a Selic, subiu forte e muito rapidamente nos últimos meses, o que pode produzir uma sensível queda no ritmo de atividade econômica este ano.

Para além da desaceleração da atividade econômica, a taxa de juros real, quando descontamos a inflação, já está em patamares elevados no Brasil e isso tem contribuído para o ingresso de capital estrangeiro que está em busca de bons  rendimentos em época de juros baixos em quase todo o mundo.

Mercado de capitais abaixo do preço

A chegada da pandemia foi danosa ao mercado global de ações.

No Brasil, igualamos o recorde de outubro de 2008 e vimos, em março de 2020, a bolsa brasileira acionar seis vezes o chamado circuit breaker, quando o Ibovespa cai mais de 10%.

A paralisação da economia produziu os mesmos efeitos sobre todos os países do mundo, sendo mais agudos em uns lugares que em outros.

O grande problema aqui, é que, tal como tem sido com a inflação, que é indiscutivelmente um fenômeno global, no caso do mercado de ações também existem particularidades brasileiras que contribuíram e ainda contribuem para um resultado ainda pior.

Como a lista de fatores endógenos é muito extensa, eu vou pegar apenas os dois eventos mais relevantes: o desenvolvimento da pandemia no país (mortes e infecções) e o jogo político.

Quando o assunto é Covid-19, o Brasil é o país com a maior taxa de mortalidade por milhão de habitantes no mundo todo. Além disso, também é assustador o número de infecções e de internações.

A relativa demora para o início da imunização da população e os ataques à democracia também contribuíram para afugentar investidores estrangeiros que estavam comprados no Brasil.

Como a fuga foi muito intensa, o preço dos ativos brasileiros acabaram sofrendo um impacto muito mais significativo que os vistos em outras economias emergentes.

E agora, diante da expectativa de que a Ômicron atue em favor do término relativo da pandemia, e com consequente aumento do apetite pelo risco, comprar ativos brasileiros virou um grande negócio.

Esse movimento tem produzido maior entrada de recursos estrangeiros no país e, consequentemente, atuado em favor da valorização do real.

Normalização dos fluxos de capitais estrangeiros

Por fim, mas não menos importante, é importante observarmos o comportamento global dos investimentos.

Com a chegada pandemia, uma parte relevante do capital que antes estaria em movimento pelo mundo, ficou “recluso” a ativos que garantia maior segurança e menor volatilidade.

Em função deste movimento defensivo, o que se viu foi o aumento da procura pelo ouro e pela moeda norte-americana.

Com a dissipação do risco de que a pandemia volte a paralisar a economia mundial, o capital, antes restrito a títulos públicos e alta liquidez e grande segurança, passam a buscar melhores rendimentos.

Como o Brasil está muito barato e como os títulos públicos entregam um rendimento relevante, o Brasil pode tornar-se um grande porto de rendimentos para o capital especulativo.

Isso porque o Banco Central do Brasil já deixou claro na ata da última reunião do Copom que novos ajustes contracionistas serão necessários para trazer a inflação de volta ao centro da meta. Isso quer dizer que o Bacen antevê novos aumentos na taxa básica de juros.

A expectativa do mercado é que a Selic chegue aos 12,25% antes de começar a trajetória de queda.

Hora, se a taxa de câmbio também é grande responsável pela inflação brasileira, a “normalização” dos fluxos de capital estrangeiro pode ser benéfica ao país no curto prazo.

Perspectivas para o dólar

Infelizmente esse movimento de normalização do fluxo dos capitais estrangeiros pode estar com os dias contados. Isso porque o Federal Reserve já parece suficientemente incomodado com o nível de inflação na economia norte-americana.

Nos Estados Unidos, um dos maiores responsáveis pela maior inflação em 40 anos, são os combustíveis. Gasolina, diesel e, mais recentemente, o gás natural, têm atuado fortemente para a escalada de preços por lá, tal como tem sido também na Europa.

Como o preço do barril de petróleo não pára de subir, e a expectativa é de que venham ainda mais aumentos pela frente, a situação fica um pouco mais complicada.

Ainda que um choque de juros por parte dos Estados Unidos esteja fora do radar, a persistência da inflação em patamares tão elevados pode trazer um comportamento mais contundente do FED.

Se o FED aumentar muito a sua taxa de juros, os títulos públicos norte-americanos ficam ainda mais atrativos, o que pode inverter o fluxo de capital que está revisitando os países menos desenvolvidos neste momento.

Seguimos de olho.

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