Visão Geral
A forma como o Brasil se constituiu, social e economicamente, trouxe problemas recorrentes para o nosso balanço de pagamentos.
Em uma rápida viagem, percebemos que ser grande exportador de produtos básicos como a cana-de-açúcar, o algodão, a borracha, o café, a soja e o minério de ferro, por exemplo, agudiza processos de desequilíbrio externo, ou seja, situações de insolvência do país em razão de obrigações em moeda estrangeira.
Passados tantos anos, nossa pauta exportadora ainda é majoritariamente composta por itens básicos ou de baixa intensidade tecnológica, o que, ainda é um grande problema, no entanto, com impacto reduzido sobre as contas externas desde a primeira metade da década dos anos 2000.
O Brasil se aproveitou de uma condição de valorização das commodities e acumulou reservas, espantando, de vez, os chamados estrangulamentos externos, condição de insolvência que falamos mais acima.
Bem, com o nível atual de reservas devemos nos preocupar com a fuga de dólares? Estamos, de alguma forma, sujeitos a ataques especulativos internacionais?
Para realizar uma abordagem diferente daquela que olha apenas para o nível de reservas estrangeiras, falaremos da posição de investimento internacional. Você sabe do que se trata? Tem acompanhado os últimos números?
Acompanhe nossa análise a seguir.
O que é posição de investimento internacional?
A posição de investimento internacional (PII) contabiliza os ativos e os passivos externos do país.
Todos os meses, o Banco Central divulga estatísticas sobre o setor externo nas quais constam a PII e as variações decorrentes dos movimentos daquele mês.
Pense o seguinte, a despeito das taxas básicas de juros estarem em queda, um investidor brasileiro opta por adquirir títulos públicos dos Estados Unidos. Neste caso, a posição de investimento do nosso investidor acarretará em incremento dos ativos do país.
No caminho contrário, um investidor estrangeiro compra títulos públicos brasileiros atraído pela diferença da taxa básica de juros brasileira para as demais. Essa aquisição de títulos públicos brasileiros por um estrangeiro, implica em aumento do passivo brasileiro na PII.
De modo geral, investimentos no exterior aumentam a conta do ativo, enquanto investimentos estrangeiros no Brasil aumentam a conta do passivo.
Além dos investimentos em títulos públicos, entram no balanço da PII os investimentos em ações, debêntures e qualquer outro tipo de ativo financeiro. Constam ainda no balanço, os investimentos em ativos fixos como, por exemplo, a aquisição de empresas, operações intercompanhia e empréstimos.
Por que isso é importante?
Acompanhar a PII é de extrema importância para avaliar os riscos aos quais um país está submetido do ponto de vista do setor externo.
Quando o país tem um passivo internacional não correspondente ao ativo isso pode ser um problema para o balanço de pagamentos.
Imagine que, em decorrência de um desgaste político os investidores estrangeiros decidam retirar seus investimentos do Brasil, todos de uma única vez. Neste caso, é imperioso ter recursos em moeda estrangeira para entregar aos investidores que estão vendendo suas posições por aqui.
Portanto, uma posição de relativo equilíbrio é fundamental para manter-se seguro diante de um ataque especulativo.
Como está o Brasil?
Segundo dados do Banco Central, atualizados até o mês de junho, o Brasil tinha em ativos estrangeiros aproximadamente USD 864,7 bilhões, valor acima dos ativos registrados em maio e março deste ano, quando o volume era de USD 864,5 bilhões e USD 882,2, respectivamente.
O valor de junho deste ano é menor que o montante de junho do ano passado (USD 907 bilhões, o que significa dizer que investidores domiciliados no Brasil têm desfeitos suas posições internacionais.
Agora que você sabe que temos quase um trilhão em investimentos brasileiros no exterior, vamos dar uma olhada no passivo.
Em junho deste ano, o volume total de passivos era de aproximadamente USD 1,2 trilhão, muito acima do USD 1,6 trilhão registrado em junho do ano passado, ou do USD 1,62 trilhã de dezembro de 2019.
Deste modo, a posição de investimento internacional de junho de 2020 apontava para um estoque negativo em quase USD 400 bilhões.
Esse estoque negativo é um risco?
A primeira coisa que temos que observar é que este estoque negativo era muito superior em dezembro de 2019. No último mês do ano passado a PII era negativa em aproximadamente USD 732 bilhões.
Apesar de as nossas reservas internacionais estarem em USD 354 bilhões, insuficientes, portanto, para cobrir uma eventual fuga maciça de recursos, é muito, mas muito improvável que todos os investidores requeiram suas economias depositadas em solo brasileiro de uma única vez.
Isso acontece porque nos passivos registrados na PII existem mais tipos de investimentos que simplesmente os títulos públicos e ações.
Dos USD 1,26 trilhão em passivos, quase USD 658 bilhões estavam alocados em investimentos produtivos, ou seja, de menor liquidez. Os investimentos em ações, por exemplo, somaram USD 225,5 bilhões.
Quanto mais recursos investidos em ativos produtivos, como aquisição de empresas, maquinário e ferramentas, menor será a chance de um ataque especulativos que coloque em risco as reservas estrangeiras do país.
E o impacto sobre o câmbio, afinal?
Nós vimos que observar apenas volume de reservas estrangeiras não nos ajuda a entender os riscos que o país está submetido no setor externo.
Vimos também que mesmo com estoque negativo na PII nós temos uma posição relativamente confortável em função do volume de recursos em investimentos produtivos, cuja saída do país exige um pouco mais de tempo.
No entanto, a partir dos dados do Banco Central foi possível perceber que uma grande quantidade de recursos deixou o país nos últimos meses e isso acaba por trazer desvalorização da moeda nacional.
Quanto mais os investidores venderem suas ações e solicitarem os recursos monetários para deixar o país, maior será a fuga de dólares e maior também será a pressão pela desvalorização da moeda local.
O volume de recursos que tem deixado o país continua aumentando na leitura mensal, no entanto, em um ritmo menor que o visto no início da pandemia. É provável que, com a resolução do problema da pandemia, aumente o volume dos passivos da PII, o que colabora para um possível processo de valorização da moeda brasileira.
Veremos.