O temor de uma crise global desencadeada pelos efeitos da propagação do covid-19 tem feito os governos agirem de forma inesperada ao redor do mundo. Uma ação conjunta dos bancos centrais já está ocorrendo com o intuito de derrubar as taxas de juros. A intenção das autoridades monetárias é criar um ambiente propositivo para investimentos e consumo, criando uma condição que possa atenuar os efeitos da desaceleração da atividade econômica.
Mas o que surpreende de verdade não é nem a última reunião do FED ou a última decisão do Banco Central Australiano. O que nos deixa boquiabertos é a ausência de originalidade e a insistência em um modelo que se mostrou muito questionável na capacidade de fazer dissipar os efeitos de uma crise global. Serão os bancos capazes de fazer frente ao vírus chinês? Acho que não!
Acompanhe!
Qual o limite global?
O primeiro grande problema de esperar das políticas monetárias o antídoto contra os efeitos da propagação do coronavírus é o endividamento dos países do sudeste asiático. Epicentro da epidemia, a China viu o endividamento privado sair de pouco mais de 105% do PIB antes da crise de 2008, para mais de 161% do PIB no último dados disponível (2018). Coréia do Sul, Vietnã, Camboja, Laos, Tailândia, Malásia, Singapura e outros países do sul e leste asiático também viram o volume de crédito aos setor privado em relação ao PIB subir exponencialmente desde 2007.
Na Europa a situação não é mais aprazível, a maioria dos bancos centrais aumentaram seus passivos na tentativa suavizar os movimentos causados primeiramente pela crise do subprime e, poucos anos depois, pela crise da dívida soberana dos países do sul do continente, com destaque para o caso grego.
Mais de dez anos depois da iniciativa do Banco Central Europeu (BCE) em reduzir a taxa de juro real para patamares sensivelmente negativos, o investimento produtivo total saiu de quase 23% do PIB em 2008 para pouco mais de 20% do PIB em 2018.
De modo geral, olhando alguns casos em particular como, por exemplo, o da maior economia do bloco da Zona do Euro, a Alemanha, a queda nos juros não se traduziu em elemento catalisador de investimentos e consumo reprimidos.
A política monetária no Brasil
No Brasil, a iniciativa de reduzir as taxas de juros transcende a questão do coronavírus, antes da epidemia o Banco central do Brasil trabalho para escrever uma nova história dos juros por aqui. Em janeiro de 2020 a taxa caiu ao menor nível nominal da história e a taxa real de juro já renda o terreno negativo.
Esse movimento da esgarçamento das condições monetárias deve se intensificar agora nessa ação global coordenada. Na reunião de 17 e 18 de março a autoridade monetária brasileira deve cortar a taxa básica em pelo menos 25 pontos-base. levando a taxa nominal para 4% ao ano e colocando a taxa real de juro para o campo negativo de forma mais pronunciada.
Ocorre que, tal como Ásia e Europa, o Brasil também tem os seus limitadores. Na Ásia, o endividamento privado já está em níveis sensivelmente elevados, na Europa a queda da taxa de juros não se traduziu em mais tração para o investimento produtivo, e no Brasil, além do endividamento das famílias e empresas, temos a concentração do setor bancário.
Nós costumamos dizer que não existe transmissão da política monetária para a política creditícia, ou seja, os esforços realizados pelo Banco Central do Brasil não se traduzem em oportunidades para pessoas e empresas.
Enquanto a Selic caiu 31% no ano passado, o spread bancário, a diferença entre o custo de captação de recursos pelos bancos e o percentual cobrado dos clientes, saiu de 18,2% em janeiro de 2019 para 17,8% em dezembro dezembro do anos passado.
Mesmo com novo corte de 0,25% na taxa básica de juros em janeiro deste ano, o spread bancário voltou ao nível de janeiro do ano passado e agora se encontra em 18,3%.
Dificilmente haverá qualquer tipo de mudança no padrão de consumo e no ritmo dos investimentos se o custo de obtenção dos mesmos permanecerem elevado como estão.
Ainda que tenhamos visto um aumento significativo nos saldos de empréstimos para pessoas físicas, não podemos esquecer de dois fatores: o primeiro é que uma parcela importante destes novos empréstimos contraídos por pessoas físicas são decorrentes do uso do crédito rotativo do cartão de crédito e do limite do cheque especial, modalidades mais caras e, normalmente, atribuídas a insuficiência de renda recorrente. O segundo é a desalavancagem do setor produtivo brasileiro, as empresas vêm se desfazendo de suas dívidas em um processo de desalavancagem que já dura muitos trimestres.
Saída pode ser estimulos fiscais
Fundo Monetário Internacional, Bundesbank, governo alemão, governo dos Estados Unidos, governo japonês, Banco Mundial, é farta a lista de instituições falando a mesma língua. A política monetária não tem sido uma ferramenta capaz de corrigir os efeitos da desaceleração da economia global.
A maior parte dos analistas, de banqueiros a parlamentares, de chefes do executivo a presidentes e governadores dos bancos centrais a ideia central é clara. Uma nova rodada de estímulos fiscais é fundamental para sair da crise.
Os juros mais baixos não serão suficientes para reduzir os impactos da propagação do coronavírus no mundo.
Perspectivas
A diminuição dos juros remuneratórios dos títulos públicos globais devem exercer pressão sobre as moedas emergentes.
Em primeiro lugar pelo entendimento de que o esforço da política monetária expansionista se dá pela gravidade do quadro econômico global, ou seja, em tempos de crise os investidores fogem para o Dólar. Em segundo lugar pelo aumento dos agregados monetários serem de maior magnitude nos países mais pobres, ou seja, vai sobrar moeda de país emergente no ambiente doméstico.
Ainda que haja também um aumento da liquidez global, parte dos recursos encontrarão guarida no mercado financeiro, ao passo que os efeitos desta maior liquidez serão eclipsados, em parte, pelos desdobramentos das eleições norte americanas, pelo coronavírus e pela crise japonesa.
Essa flexibilização monetária é, de novo, o remédio errado para o paciente enfermo. Depois do coronavírus não restarão mais juros para cortar e a economia dificilmente estará em melhores condições que as vistas nos dias de hoje.
Veremos!