Há tempos que falamos sobre a possibilidade de uma recessão nos países centrais. Na realidade, há sinais de esgotamento da atividade econômica que vem sendo identificados há tempos. Contudo, os governos (por meio de políticas fiscais) e seus bancos centrais (por meio de políticas monetárias) têm feito tudo que se encontra a seu alcance para evitar essa catástrofe anunciada. O que é bom, uma vez que isso evita que uma parcela significativa da população seja impactada.
Entretanto, parece-nos que esse processo instalou uma bomba relógio prestes a explodir. E o sinal mais evidente é de que economistas e analistas ao redor do globo se deram conta disto e ventilam a possibilidade de recessão na mídia, dia sim, dia não. Acompanhe a seguir alguns elementos fundamentais por trás da leitura desta recessão que está por vir.
Histórico na crise na Europa
A Europa é o exemplo mais claro da metáfora da bomba relógio que utilizamos acima. Para compreender essa questão, precisamos voltar um pouquinho no tempo. A partir de 2010, a crise econômica atingiu em cheio a União Europeia que, até então, acreditava ser o bloco econômico mais sólido do mundo.
A raiz desta crise que impactou diretamente o bloco europeu foi a dívida pública. A raiz ainda está um pouco mais lá no passado, em 1992. Neste ano, alguns países do velho continente assinaram o Tratado de Maastricht e instituíram a Comunidade Europeia, onde foi estabelecido, dentre outras coisas, que para os países-membros do bloco, a relação entre dívida pública e produto interno bruto (PIB) deveria ser de, no máximo, 60% de seus respectivos PIBs.
Contudo, a coisa não foi bem assim e alguns países que compõem o bloco mantiveram uma estrutura excessiva de gastos – particularmente após a crise financeira que teve início nos EUA, em 2008. Com isso, as despesas de alguns países-membros foram inevitavelmente maiores do que suas receitas. E o mais importante: sem reservas para lastrear os seus gastos (leia-se, dívida sem garantia de pagamento).
O problema contaminou a Europa, mas afetou mais diretamente países como Grécia, Portugal, Irlanda, Itália e Espanha. Quando os números do volume de suas dívidas foram divulgados, instalou-se a desconfiança de que esses governos não conseguiriam honrar os compromissos e os investidores começaram a pensar duas vezes antes de comprar ações e títulos europeus.
O problema maior, na realidade, ainda estava por vir. Após os graves problemas financeiros que afetaram muitos países europeus, o caminho mais lógico foi buscar ajuda. Claro que a ajuda não veio sem um conjunto de condições, especialmente exigências bastante austeras, como elevar impostos e cortar gastos “na carne”, independente dos resultados.
Em muitas nações, como foi o caso da Espanha, por conta desta política de austeridade, o desemprego chegou a superar os 26%. E o pior de tudo, entre os mais jovens que, em tese, são as pessoas com mais disposição e tempo para trabalho. Esses efeitos colaterais geraram um grande problema social que, posteriormente, reverberou na política.
Tensões políticas na Europa
É um ponto pacífico entre muitos analistas que a crise financeira de 2008, que teve os EUA como epicentro, afetaram o mundo todo. A crise teve início com o estouro da bolha imobiliária decorrente de uma quantidade absurdamente elevada de empréstimos sem garantia. Essa bolha atingiu duramente a maior economia do planeta e gerou ondas de impacto em dezenas de outros países. Inclusive na Europa.
Desse modo, a partir de 2010, os resultados começaram a se tornar bastante visíveis. Além do desemprego, entre 2010 e 2014, a economia europeia encontrou dificuldades significativas de retomar o seu crescimento, sendo necessário um conjunto de estímulos por parte do Banco Central para tentar reanimar as economias que passavam por tais dificuldades.
As exceções em meio às dificuldades econômicas europeias foram Alemanha e França, que sentiram de forma muito mais branda os efeitos da crise no nível de emprego. A razão disto é o alto nível tecnológico e industrial das duas nações europeias. Nesse cenário, a Alemanha, em especial, tornou-se o bastião da defesa do ajuste fiscal e da austeridade. Obviamente, também tornou-se foco da raiva e de protestos por parte de muitas das nações alvo dos ajustes.
A economia europeia se manteve travada. Somente a partir de 2014, com a adoção de estímulos monetárias por parte do Banco Central Europeu, e da ajuda por parte da União Europeia (sob a rigorosa supervisão da Alemanha), que a economia do velho continente volta a registrar índices de crescimento mais consistentes, mas ainda assim, comedidos.
As tensões sociais e políticas decorrentes da austeridade e a dificuldade em retomar o crescimento econômico por consequência do elevado desemprego e do baixo consumo no bloco foi sedimentando paulatinamente a situação que nos encontramos atualmente. Até que algumas explosões localizadas começaram a gerar ainda mais receios.
Do Brexit a Itália, mais incerteza
O Brexit é um exemplo importante dessas “explosões” que tomaram conta da Europa. Ainda que com suas particularidades ligadas à realidade britânica, a conjuntura extremamente desfavorável na Europa que gerou uma migração de diversos indivíduos de países da Europa continental em direção ao Reino Unido. Assim, o Brexit entrou em cena e tornou-se um importante catalisador de incertezas na região, dificultando ainda mais a já complicada retomada do crescimento do bloco europeu.
Mais recentemente, a Itália, que já vinha registrando episódios bastante controversos em sua política nos últimos anos, passou a ser alvo de preocupação – muito influenciada pelo Brexit. A disputa de poder que se instalou na Itália desde as eleições de 2018 é evidentemente entre populistas eurocéticos – vencedores das eleições de março deste ano – e políticos pró-União Europeia.
Depois de muitas negociações, em junho de 2018, uma frágil aliança foi instalada entre o partido nacionalista A Liga, de Matteo Salvini, e o antissistema Movimento 5 Estrelas, que tinham sido adversários nas urnas. Com a aliança, chegaram a um acordo para formar uma maioria parlamentar e conseguirem governar. Contudo, em junho deste ano, o partido de Salvini registrou um avanço significativo nas eleições para o Parlamento Europeu.
Com isso, Salvini retirou seu partido da maioria parlamentar que apoiava o até então primeiro-ministro Giuseppe Conte e tentou antecipar eleições parlamentares para tentar ampliar também sua presença no parlamento italiano, a exemplo do que aconteceu nas eleições europeias.
A súbita ruptura por parte de Salvini surpreendeu a política e a opinião pública, levando o primeiro-ministro a entregar seu cargo ao presidente da República, Sergio Mattarella. A Itália se encontra agora na tentativa de formar um novo governo, mas imersa em uma enorme crise política. Com a Europa fragilizada, muitos temem que esse seja a última fagulha que restava para ativar a bomba da recessão que circunda a Europa.
Perspectivas para o Dólar
Em meio a todas essas dificuldades políticas e de dados econômicos negativos vindos da Alemanha, a maior economia do bloco europeu, a discussão sobre estímulos para retomar o crescimento econômico volta com força ao centro das alternativas para evitar a recessão. Do outro lado do Atlântico, o Simpósio de Jackson Hole começou na quinta-feira (22), reunindo diversos banqueiros centrais do mundo – e o espectro da recessão ronda as análises dos BCs.
O mercado espera claramente que os banqueiros centrais apontem caminhos de estímulos para retomar o crescimento e a pujança para as economias centrais. No caso dos Estados Unidos, a expectativa é de que o Federal Reserve reforce o discurso pró-queda dos juros. A última ata do Fomc trouxe evidências de que este é um consenso, mas falas recentes de outros membros do Federal Reserve System colocam dúvidas sobre esta possibilidade.
Até lá que tenhamos clareza sobre os caminhos de como os bancos centrais agiram – e isso inclui também o Banco Central Europeu – o câmbio seguirá caminhos erráticos e com intensa volatilidade, sem uma direção definida, como reflexo da incerteza que ronda a economia global.
Em cenários de incerteza, investir em ativos mais seguros no exterior, como os títulos negociados no mercado norte-americano, pode ser uma estratégia.
Seguimos de olho.
André Galhardo é economista-chefe da Análise Econômica Consultoria, professor e coordenador universitário nos cursos de Ciências Econômicas. Mestre em Economia Política pela PUC-SP, possui ampla experiência em análise de conjuntura econômica nacional e internacional, com passagens pelo setor público.