O mercado está de olho em um único alvo: a reforma da previdência.
Segundo o Relatório Trimestral de Inflação, a perspectiva para o desempenho da atividade econômica brasileira este ano passou de 2% para 0,8%. É um índice menor do que o registrado em 2017 e 2018, que foi de 1% cada ano.
Ainda assim, o dólar segue rondando a casa dos R$ 3,85 e o Ibovespa, por sua vez, rondando a casa dos 100 mil pontos.
Previdência: o que está em jogo?
A previdência social é alvo de discussões há décadas. Desde os anos 80, já se colocava em xeque sua sustentabilidade. Fernando Collor, por exemplo, em meio aos problemas inflacionários, conseguiu instaurar a correção monetária para os benefícios previdenciários.
Fernando Henrique Cardoso ajustou o Regime Geral de Previdência Social, eliminando a aposentadoria por tempo de serviço, além da implantação do fator previdenciário. Luis Inácio conseguiu limitar a aposentadoria dos servidores públicos.
Dilma Rousseff, por sua vez, aprovou a regra 85/95 em 2015, em que a soma da idade e do tempo de contribuição precisaria totalizar 85 pontos para as mulheres e 95 pontos para os homens para ter acesso ao benefício integral. Veja aqui o histórico completo da Previdência Social.
No entanto, com o alvorecer da recessão que vivemos desde 2014, a arrecadação para a previdência sofreu um tombo significativo e os gastos previdenciários, por outro lado, mantiveram sua trajetória de crescimento.
Desde então, o Estado brasileiro passa por um forte ajuste fiscal. Com os crescentes déficits públicos, a previdência se tornou o alvo. O que está em jogo, portanto, não é somente a previdência em si, mas a sobrevivência da economia brasileira.
Quais os riscos políticos e econômicos?
É justamente por conta da preocupação com a retomada do crescimento econômico que a previdência adquire uma importância ainda maior. E, igualmente, os riscos em torno de sua aprovação (ou não) ficam em evidência.
Riscos políticos
Diversos analistas políticos declaram preocupações com a condução do governo Bolsonaro. Evidência dessa preocupação é a recente pesquisa Ibope que registrou somente 32% de aprovação do governo. Em janeiro, a aprovação era de 49%, queda de 17 pontos percentuais.
Nesse contexto, a articulação com o Congresso, as polêmicas envolvendo familiares e membros do alto escalão do Executivo, além de declarações desnecessárias levantam dúvidas reais sobre a capacidade de avançar com a agenda de reformas do Estado.
Riscos econômicos
Em termos econômicos, três pontos fundamentais se destacam. Em primeiro lugar, e correlacionado aos riscos políticos, a desidratação da reforma da previdência. As estimativas iniciais divulgadas pelo Ministério da Economia indicavam uma economia na ordem de R$ 1,2 trilhão.
As expectativas dos agentes de mercado divulgadas pelo Prisma Fiscal, plataforma do Ministério da Economia similar ao Focus, apontam para uma provável economia na ordem de R$ 700~R$ 800 bilhões.
Em segundo lugar, se o desgaste político permanecer, o parco apoio popular pode ser minado e podemos ver o Congresso recuar na reforma ou desidratá-la ao ponto de tornar a economia ainda menor, quiçá irrelevante frente a necessidade de ajuste das contas públicas.
Em terceiro lugar, a deterioração da atividade econômica pode se mostrar um risco, inclusive alimentando a baixa aprovação do governo. Tendo em vista que a taxa de desemprego se mantém em níveis elevados e a ociosidade da indústria permanece alta, entra no radar um possível revés em termos de prioridades do governo, cujo os efeitos não são totalmente claros.
Qual o comportamento dos investidores?
Apesar dos riscos, o mercado parece ainda se manter fiel à agenda de reformas. Quando observamos o comportamento do câmbio, por exemplo, essa “fidelidade” fica ainda mais evidente.
Na esteira da eleição de Bolsonaro, o Real passou por uma forte valorização, saindo da casa dos R$ 4,20 para alcançar pouco menos de R$ 3,65. Este foi claramente um “voto de confiança” às propostas de reformas do governo.
Após um período de ajuste de expectativas, o ano começou com o dólar a R$ 3,84. Após a entrega da Proposta de Emenda à Constituição que versa sobre as mudanças no sistema previdenciário, o dólar foi para R$ 3,72.
Nas últimas semanas, em especial, temos a clara percepção de que a cotação da moeda americana tem oscilado acompanhando os movimentos internacionais. Os investidores, contudo, permanecem posicionados e ajustando suas posições em torno de dois pontos-chave: 1) quando a reforma da previdência será aprovada e 2) qual o tamanho da economia que será gerada.
Perspectivas para o câmbio
A evidência que reforça nossa leitura acerca das expectativas dos investidores é a permanência da taxa de câmbio entre R$ 3,80 e R$ 3,85.
Note que mesmo com a polêmica envolvendo o Sargento da Força Aérea Brasileira (FAB) que transportava cocaína na comitiva Brasileira para uma reunião do G-20 em Tóquio, no Japão, o dólar não registrou nenhuma oscilação significativa.
Por outro lado, a moeda estadunidense subiu durante a sessão de quinta-feira (27 de junho), acompanhando as expectativas em torno de novos diálogos entre EUA e China acerca das tensões comerciais. Na máxima do dia, o dólar chegou a ser negociado cotado a R$ 3,87, mas rapidamente a cotação foi corrigida, orbitando a casa dos R$ 3,83.
Isso posto, reiteramos que os investidores estão atentos aos movimentos externos que lhes permitam aproveitar oportunidades de curto prazo no mercado cambial. Contudo, as expectativas estão ancoradas na reforma da previdência.
Há bastante atenção na Comissão Especial que avalia a matéria da PEC que trata da previdência, uma vez que, sob a ótica dos investidores, ela dará mais sinais do tamanho da economia e de quando a reforma será aprovada.
Até lá, as perspectivas para o câmbio permanecem relativamente estáveis entre R$ 3,80 e R$ 3,85, com um viés de baixa que se mantém dada a ancoragem das expectativas na reforma.
Seguimos de olho.
André Galhardo é economista-chefe da Análise Econômica Consultoria, professor e coordenador universitário nos cursos de Ciências Econômicas. Mestre em Economia Política pela PUC-SP, possui ampla experiência em análise de conjuntura econômica nacional e internacional, com passagens pelo setor público.