O esforço que o Banco Central do Brasil tem feito para diminuir a escalada do preço do Dólar Americano por aqui pode se constituir um risco à medida em que as reservas internacionais se esvaziam rapidamente.
Acontece que a mudança do epicentro dos casos de coronavírus do mundo da Europa para os Estados Unidos deve trazer mais volatilidade aos mercados financeiros e de câmbio nas próximas semanas.
A economia americana corre o risco de entrar em colapso? O Brasil tem reservas suficientes para enfrentar mais problemas econômicos, desta vez com o segundo maior parceiro comercial?
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Reservas cambias
No que diz respeito ao setor externo, o século XXI foi particularmente positivo para o Brasil. Pela primeira vez em muitas décadas, nosso país dispunha de recursos suficientes para afastar de uma vez por todas o fantasma do estrangulamento externo que tanto nos castigou, sobretudo na segunda metade do século XX.
O aumento expressivo das exportações visto no começo deste século, a maxidesvalorização cambial ocorrida em 2002/2003 e o aumento expressivo do preço das principais commodities construíram o cenário perfeito para que o Brasil pudesse acumular divisas estrangeiras sobre forma de reservas internacionais.
Até mesmo a crise do subprime de 2008 serviu para elevar nossas reservas internacionais. O colapso das economias desenvolvidas trouxe recursos estrangeiros que em outros lugares do mundo não encontravam condições de se multiplicar.
E foi assim, numa espécie de segundo boom das commodities, após a crise de 2008, que o Brasil chegou ao patamar de USD 370 bilhões em reserva internacional pela primeira vez na história.
De lá pra cá as reservas subiram e caíram marginalmente em torno dos USD 370 bilhões, até alcançar a marca de USD 390,5 bilhões em julho de 2019. Desde então, problemas sucessivos fizeram as reservas diminuem de forma bastante sensível.
No último dia 25 de março as reservas internacionais do Brasil alcançaram o menor patamar desde julho de 2011: USD 343,1 bilhões.
E a expectativa é que esse patamar continue diminuindo à medida em que a crise econômica provocada pela disseminação do Sars-Cov-2 se acentue.
Qual o volume ideal de reservas internacionais?
A quantidade de recursos que temos sob forma de reservas internacionais é pouco ou muito, afinal? A primeira coisa que temos que ter em mente é que determinar o nível adequado de reservas internacionais é um exercício quase subjetivo.
Mas para fugir do senso comum adotaremos a abordagem do Fundo Monetário Internacional (FMI), que desenvolveu uma métrica que envolve exportações, dívida externa de curto prazo, investimento em carteira e meio de pagamento ampliado. O método em questão se chama Assessing Reserve Adequacy (ARA). Segundo o FMI, o ideal é que uma nação tenha entre 100% e 150% do ARA em reservas estrangeiras.
Em um estudo de outubro do ano passado chegou-se à conclusão de que os 100% deste indicador equivalia a USD 236,9 bilhões e 150% equivaleria a USD 355,4 bilhões. Em junho de 2019 o indicador referido estava em 160%.
Com as reservas nos atuais USD 343,1 bilhões, estamos em 145%, ou seja, em um patamar bastante confortável.
Até onde vão as vendas das divisas estrangeiras?
Se as reservas estrangeiras estão em um patamar relativamente confortável, por que estamos falando delas? O que chama a atenção não é o volume de recursos, mas a velocidade com que ele está sendo reduzido.
Em apenas 19 dias do mês de março as reservas foram diminuídas em USD 24,3 bilhões. Na comparação interanual o recuo foi de USD 41,4 bilhões.
Outro ponto que coloca essa discussão como importante é o momento em que tudo isso está se concretizando. Não há situação menos adequada que essa, onde as maiores economias do mundo já estão parando por conta da Covid-19.
No dia 26 de março, os Estados Unidos divulgaram o volume de novos pedidos de seguro-desemprego semanal. Segundo o Bureau of Labor Statistics (BLS), os novos pedidos chegaram quase a 3,3 milhões, quase cinco vezes mais alto que o recorde anterior, registrado em 1982.
Primeiro parou a China – e isso ainda se desdobrará em problemas para o mundo todo. Depois foi a vez da Europa e, agora, o novo epicentro são os Estados Unidos, segundo maior parceiro comercial do Brasil.
A recessão econômica esperada por todos pode colocar em risco até mesmo a confortável situação brasileira no que diz respeito às reservas internacionais.
O aumento do clima de incerteza e a consequente aversão ao risco devem aumentar a demanda por dólar de forma muito importante, fazendo com que as moedas dos países emergentes apresentarem fortes desvalorizações.
Qual a principal arma do Banco Central para evitar mais desvalorização da moeda brasileira? Vender dólares e se desfazer das reservas. Então, este deve ser o caminho dos próximos dias, vendas de dólares para tentar diminuir a pressão na demanda pela moeda americana.
Perspectivas
A venda de moeda estrangeira por parte do Banco Central já vinha sendo praticada antes da crise do novo coronavírus. O Banco Central agiu de forma pontual para tentar diminuir a desvalorização da moeda brasileira diante das recorrentes instabilidades políticas no país.
Esse movimento se acentuou nas últimas semanas por conta da do número de infecções na maior parte dos países desenvolvidos e da China.
Como não se espera uma melhora rápida na situação de crise em que estamos, a tendência é que se esvazie ainda mais a reserva internacional brasileira, fazendo com que saiamos de uma quadro relativamente confortável para uma situação bastante delicada do ponto de vista do setor externo.
Por enquanto são apenas especulações que dependerão da situação acerca do Covid-19 no mundo, no entanto, está no radar a possibilidade de uma nova maxidesvalorização da moeda brasileira conduzida pela deflagração de uma forte crise nos Estados Unidos e pela diminuição das reservas internacionais brasileiras.
Ainda está tudo “bem”, mesmo com o recorde de pedidos de seguro-desemprego semanal nos Estados Unidos e mesmo com a queima de quase USD 25 bilhões em reservas brasileiras em pouco menos de 20 dias.
Veremos!