Samuel Pessôa é chefe do Centro de Crescimento Econômico do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas, onde também é professor, e convidado no De Olho no Câmbio.
A análise de que a Reforma Tributária poderá ser o Plano Real do terceiro governo Lula feita por Samuel, que é chefe de pesquisa econômica do Julius Bear Family, ressoa na imprensa. A autoridade em gastos e educação no Brasil assinou junto com outros 60 economistas um manifesto em defesa da Reforma Tributária essa semana.
De retomar a industrialização brasileira e responder melhor ao aquecimento global, promover cidadania tributária e melhorar a cultura econômica da sociedade, o economista explica por que resolver a hiperinflação e a complexidade fiscal pode ter efeitos tão parecidos.
Confira o resumo da entrevista!
Quais fatores foram medidos para chegar à conclusão de que a Reforma Tributária é o Plano Real para o governo Lula?
Samuel Pessôa avalia que a qualidade e o volume de investimentos tendem a se aprimorar de forma equiparável e descreve duas melhorias em comum como causa: a eficiência econômica e a transparência tributária. O benefício social também será grande: promover cidadania tributária.
Tanto complexidade fiscal quanto hiperinflação podem drenar capital das empresas do investimento em inovação para o gasto com atividades-meio, como setores financeiros que demandam vinte vezes mais funcionários no Brasil do que demandariam em outros países. Hoje também não há uma distinção clara entre o que é custo de produção e o que é imposto na despesa final das empresas e isso repele investimentos externos assim como a instabilidade monetária o fazia antes do Plano Real.
O economista Samuel Pêssoa acredita que a Reforma Tributária vai facilitar um processo de amadurecimento da cultura econômica da sociedade brasileira em progresso nos últimos quarenta anos. Ele destaca que o Brasil já aprendeu a construir consensos para não tolerar inflação e agora aposta na transparência para que a sociedade aprenda a combater a desigualdade social e as distorções institucionais sem ferir a sustentabilidade do crescimento econômico.
O tempo de transição é preocupante ou colheremos os frutos da Reforma rapidamente?
A nova regra só valerá totalmente em 2033. A transição mais longa é necessária para proteger os estados que, a curto prazo, perdem arrecadação nas mudanças do pacto federativo. Como o fato gerador de imposto deixa de ser a produção e passa a ser o consumo, a redistribuição da carga tributária aumentará a receita dos estados que hoje produzem menos e reduzirá a dos que produzem mais. No longo prazo, será vantajoso para todos, mas a alguns estados poderiam quebrar com uma transição muito veloz.
Outro fator de demora que Samuel Pessôa descreve é o que chama de guerra fiscal, em que um estado concede isenção do ICMS recolhido no estado de origem para atrair o investimento produtivo. Para o economista, perder o incentivo por causa de uma alteração na estrutura tributária do país é um risco inerente ao negócio, mas o Poder Judiciário decidiu que se trata de um direito adquirido. A transição de como os impostos são pagos será longa por causa dessa concessão aos empresários que decidiram investir no lugar em que pagariam menos impostos e não por ser mais razoável para o seu negócio.
Aquecimento global, transição energética e tendência mundial de aumento de juros
Pessôa ressalta que isso é uma mudança preocupante na tendência de corte de juros dos quinze anos anteriores. Uma sequência de choques de oferta geraram uma inflação persistente e os bancos centrais do mundo todo subiram os juros, mas a economia americana, assim como a brasileira, está demorando para desacelerar. Ele propõe que se passe a estudar a relação desse fenômeno surpreendente com os efeitos do aquecimento global.
A transição energética é inevitável e a sua consequente demanda por juros permanentemente mais altos no mundo todo já pode ser uma das explicações para essa mudança de tendências. O preocupante para o economista é a sustentabilidade da dívida dos Estados Unidos durante esse processo. Para o Brasil, o cenário é de oportunidade porque temos muita energia limpa barata. Se usarmos com sabedoria, podemos produzir e exportar muitos bens com selo de baixo carbono.
Mas o mesmo aquecimento global preocupa porque o Brasil é um dos países mais afetados, já que impacta fortemente a agropecuária. A nova realidade climática pode tornar inviável a atual produção de duas a três safras por ano no centro-oeste, limitado pelos invernos secos. Nossa economia se desindustrializou nos últimos trinta anos e está muito suscetível a choques de ofertas por ser dependente das commodities. A agropecuária sofreu menos do que a indústria com o aumento da complexidade tributária nos últimos trinta anos porque sua cadeia de produção é mais curta. A Reforma promoverá uma reindustrialização natural.
Esse argumento é devido à promessa de melhorar a eficiência econômica, aumentar a transparência tributária e promover a cidadania tributária. Isso resulta em melhorias nos investimentos e na cultura econômica da sociedade brasileira, semelhantes aos consensos alcançados para combater a inflação no passado.
O período de transição da Reforma Tributária levanta preocupações devido à necessidade de proteger os estados que inicialmente perderão arrecadação devido às mudanças no pacto federativo. Além disso, a chamada “guerra fiscal” é outro fator que contribuirá para uma transição prolongada.
Samuel Pessôa destaca uma mudança preocupante na tendência de redução das taxas de juros, atribuindo-a a choques de oferta e inflação persistentes, globalmente. O aquecimento global também é uma ameaça ao Brasil, especialmente para a agropecuária, e Pessôa aponta a necessidade de uma reindustrialização promovida pela Reforma Tributária para enfrentar esses desafios.