Na última quarta-feira (31/7), Brasil e Estados Unidos reduziram a taxa básica de juros de suas respectivas economias. Entenda o que isso significa.
Nos Estados Unidos, a taxa alvo dos títulos do Federal Reserve (Fed) saiu do intervalo entre 2,25% e 2,5% para entre 2% e 2,25%. No Brasil, por outro lado, a taxa Selic foi reduzida de 6,5% para 6,0%, estabelecendo a nova mínima histórica da taxa de juro aqui no país.
Saiba mais acerca desses movimentos a seguir.
As motivações do Fed
O movimento da política monetária é o mesmo. As motivações, por outro lado, são muito distintas.
No Estados Unidos, o Fed, banco central americano, optou por reduzir a taxa básica de juros por precaução. A precaução vem em linha com a fala do presidente regional do Fed de Nova Iorque (nos Esyados Unidos cada estado tem o seu Federal Reserve), John Williams, como destacamos na semana passada.
Em outras palavras, os dados da economia são bons, mas paira no ar o medo de uma desaceleração mais forte diante dos desdobramentos da Guerra Comercial entre China e Estados Unidos.
Também pesou na decisão do último dia 31, a ausência de pressões inflacionárias e a pressão política exercida pelo presidente Donald Trump para uma redução dos juros a fim de estimular a economia.
Além das preocupações com a sustentabilidade do crescimento da economia estadunidense, existe o movimento reativo em decorrência da opção, já anunciada, de flexibilização monetária por parte de outros bancos centrais. Exemplo disso, são as ações do Banco do Japão (BoJ) e do Banco Central Europeu (BCE).
Por aqui, juros menores para retomada da economia
No Brasil, o Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu iniciar um novo ciclo de cortes na taxa básica de juros, porque a economia brasileira insiste em não emitir nenhum sinal de recuperação. Não há drivers de crescimento que indique uma recuperação ainda este ano. Pelo contrário.
Dados recém divulgados pelo IBGE acerca da situação da indústria brasileira revelaram retração da produção industrial da ordem de 0,6%. Trata-se do segundo resultado negativo consecutivo. A Confederação Nacional da Indústria também apontou que o uso da capacidade instalada ociosa da ordem de 77,2%.
As estimativas de mercado já apontam para um discreto e duvidoso crescimento em 2019, visão perseguida com alguma letargia pelo Ministério da Economia.
Segundo o último Boletim Focus do Banco Central, a estimativa de crescimento para 2019 é de 0,82%, enquanto que para o Ministério da Economia o crescimento projetado é de 0,81%. Na atual conjuntura, ambos parecem irrealistas e a reação do Banco Central reforça nossa perspectiva.
A última decisão do Copom, portanto, pretende ser uma lufada de ar em uma economia que ainda corre o risco de entrar em recessão técnica, caso se confirme o segundo recuo consecutivo do PIB no segundo trimestre do ano.
Problemas à frente
Em primeiro lugar, é fundamental destacar que o Banco Central está no caminho certo. Cortar a Selic agora foi uma atitude adequada ao atual contexto. Contudo, devemos observar que apesar de estar no menor patamar da história, a taxa de juros no Brasil ainda é um problema.
Isso acontece pelo tamanho da crise que enfrentamos. A demanda caiu fortemente e isso tem influenciado os preços negativamente. Além disso, o Banco Central tem feito um bom trabalho no que diz respeito ao controle do nível de preços.
Esses dois fatores em conjunto criaram condições de colocar a inflação brasileira para patamares muito inferiores aos vistos nos últimos 10 ou 15 anos. Não podemos nos esquecer que a inflação no Brasil sempre foi uma preocupação e um problema histórico.
Desse modo, a taxa de juro caiu, mas, por diversos motivos, a inflação também caiu fortemente. Isso significa que a taxa real de juros (a Selic descontada os efeitos inflacionários) permanece elevada.
Esse fato chama ainda mais atenção se colocarmos em perspectiva com nossos pares latino-americanos. Colômbia, Chile, Peru, Uruguai, Paraguai, Bolívia, são apenas alguns exemplos de economias latino-americanas que têm taxas reais de juros menores que a brasileira.
Portanto, para que a política monetária seja de fato expansionista – ou catalisadora de investimentos – há um longo caminho pela frente. O Banco Central do Brasil terá que insistir em um ciclo mais arrojado de corte de juros.
E como os Estados Unidos impactam o Brasil?
Nos Estados Unidos, Jerome Powell emitiu preocupações mistas e indicou que o movimento de baixa da última reunião pode não ser um ciclo de cortes, mas algo mais pontual Ou seja, como o Fed vem agindo de forma cautelar e preventiva, o corte da taxa alvo dos títulos americanos pode não ser visto nas próximas reuniões.
Isso pode realmente acontecer, mas o mercado espera que haja pelo menos mais dois cortes ainda em 2019. A aposta se baseia na expectativa de desaceleração do ritmo de crescimento da maior economia do mundo.
A parte boa da história é que, apesar de as decisões do Bacen dependerem, em parte, do Fed, nós ainda temos espaço para agir. Em primeiro lugar; a economia brasileira está travada. Então, um estímulo monetário é providencial para tentar fazer a atividade econômica apresentar algum crescimento.
Segundo, mesmo que os Estados Unidos não entrem em um novo ciclo de corte de juros, outros países e regiões já o fizeram. Ou seja, o mundo entrou, de novo, em um processo de corte das taxas de juros. Isso deve servir de alívio e condicionante para as decisões do Bacen. E melhora em alguma medida o balanço de riscos em favor do Brasil.
Perspectivas para o câmbio
Um novo ciclo global de flexibilização monetária começou com a intensificação da Guerra Comercial entre Estados Unidos e China. E a desaceleração das principais economias da Europa também exercem papel relevante nesse cenário.
Esse movimento de cortes nas taxas de juros em nível mundial aumentará o apetite pelo risco do capital financeiro. Isto pode intensificar o movimento de capitais em direção aos países emergentes, como é o caso do Brasil.
Nesse sentido, apesar da redução na taxa básica de juros no Brasil, a taxa real ainda é bastante atrativa. Isto vale principalmente quando colocamos em perspectiva a queda das taxas em diversos países de forma simultânea. A expectativa de valorização do Real frente ao Dólar americano permanece vigente, mantendo-se condicionada aos desdobramentos da política nacional.
Seguimos de olho.
André Galhardo é economista-chefe da Análise Econômica Consultoria, professor e coordenador universitário nos cursos de Ciências Econômicas. Mestre em Economia Política pela PUC-SP, possui ampla experiência em análise de conjuntura econômica nacional e internacional, com passagens pelo setor público.