Economia e mercado

Tempos de deflação

Visão Geral

Segundo o IBGE, a variação de preços ao consumidor no mês de maio foi a segunda mais baixa de história do plano real. Na passagem de abril para maio, os preços recuaram 0,38%. Trata-se, portanto, da maior deflação mensal desde agosto de 1998, quando os preços recuaram 0,51%.

Esse movimento se diminuição dos preços é reflexo exclusivo da crise ocasionada pela pandemia? Quando o nível de contágio diminuir os preços devem continuar subindo? Esse quadro visto na avaliação mensal pode se propagar para períodos mais longos? E, o que mais nos interessa aqui: quais os impactos da deflação no câmbio?

Acompanhe nossa análise a seguir.

É tudo culpa da pandemia?

Tal como fizemos em outras diversas oportunidades, vamos deixar claro que a situação econômica do Brasil já era bastante desafiadora antes de a Organização Mundial da Saúde declarar que o mundo estava passando por uma pandemia.

Não fosse pela escalada dos preços da carne no Brasil no final de 2019, teríamos visto a inflação anual convergir para patamar próximos de 2%. A inflação acumulada em 12 meses, que em abril de 2019 havia alcançado 4,94%, desacelerou e tocou 2,54% em outubro do mesmo ano.

Esse processo de diminuição da inflação anual só foi interrompido no final do ano quando os preços da carne bovina no Brasil dispararam em decorrência do aumento das exportações para a China.

Ainda assim, mesmo com uma inflação mensal de 1,51% em dezembro de 2019, o Brasil fechou o ano com uma variação de preços anual de 4,31%, apenas ligeiramente acima do centro da meta de 4,25% estabelecida para 2019.

Numa tentativa de expurgar os efeitos da alta da carne bovina, o Brasil teria fechado o ano passado com uma inflação de 3,13%, a terceira menor desde a criação do plano real. Isso mostra claramente que a conjuntura econômica antes da pandemia já apontava para uma situação bastante confortável no que diz respeito ao nível de preços aos consumidores.

Os próximos anos

Por esta razão, não há motivo algum para imaginar uma escalada do índice de preços no próximos anos. Ao contrário do que muita gente imagina, não é porque a inflação se encontra em níveis baixos para os padrões brasileiros que em breve ela sofrerá um aumento súbito e inexplicável.

A expectativa do mercado é de que a inflação permaneça, no mínimo, próxima ao centro da meta pelos próximos anos. E porque é que o mercado acredita em um controle tão eficaz do nível de inflação na economia brasileira?

A resposta nos parece um tanto quanto simples. Antes de a pandemia chegar ao Brasil ou até mesmo antes de impactar a economia dos nossos grandes parceiros comerciais nós já vivíamos um processo de deterioração da nossa economia.

A despeito de alguma melhora sutil no mercado de trabalho em 2019, uma parcela significativa dessa “melhora” veio do aumento da informalidade, ou seja, uma parte importante da diminuição do desemprego no Brasil vista em 2019 foi decorrente do aumento da informalidade.

Desse modo, mesmo o mercado formal de trabalho também apresentou alguma melhora no anos passado. No entanto, a maior parte dos empregos gerados tinha como ponto comum a sensível diminuição da remuneração.

Desemprego e Inflação

Em 2019, o mercado trabalho melhorou, ou seja, o desemprego diminuiu, mas esse movimento se desenhou a partir do aumento da informalidade. Em outras palavras, o desemprego diminuiu com aumento de pessoas que trabalham sem carteira assinada. 

Um segundo movimento que permitiu a melhora no mercado de trabalho se desenhou a partir da criação de vagas de trabalho com carteira assinada, mas com remuneração muito abaixo daquelas vistas em anos que antecederam a crise 2015-2016.

E o que tudo isso tem a ver com a inflação?

Apesar da relativa melhora de 2019, ainda éramos quase 12 milhões de brasileiros sem emprego. Soma-se ao volume de desempregados os novos ingressantes do mercado de trabalho que tiveram seu poder de compra bastante reduzido.

Essa compressão dos rendimentos, colocará nível de demanda em níveis suficientemente baixos para permitir que os preços fiquem em patamares baixos para os padrões brasileiros. Se tudo permanecer como está, a inflação de 2020 será a mais baixa da história do plano real. Algo em torno de 0,85%.

Impacto na taxa de juros

Preços baixos, atividade econômica em queda, crise incontrolável. Todos esses fatores exigem que o governo trabalhe para tentar diminuir estes impactos. Com o nível de endividamento crescendo nos últimos anos, o governo brasileiro optou por tentar conter a crise via política monetária.

A política monetária compreende o conjunto de atividades que envolvem o volume de recursos financeiros disponíveis para a economia. Para isso, uma das principais ferramentas do xerife do sistema financeiro (leia-se, o Banco Central) é a taxa de juros.

O Banco Central, que já estava plenamente satisfeito com a taxa de juros em 4,5% ao ano, decidiu agir e fez dois novos cortes após a pandemia. Perceba que essa já era a menor taxa nominal de toda a história econômica do Brasil. 

E continua caindo. Atualmente a taxa básica de juros está em 3% e deve receber novo corte na reunião que acontecerá nos próximos dias 16 e 17 de junho.

Atividade econômica e taxa de juros

Esses sucessivos cortes indicam que a atividade econômica está muito aquém do que gostariam os formuladores de política econômica.

A economia brasileira, que já vinha dando sinais de desaceleração em 2019, apresentou recuo de 1,5% no primeiro trimestre de 2020, e deve cair mais 20% no trimestre que se encerra em junho.

Essa queda de atividade econômica, associada à óbvia e consequente desaceleração do nível de consumo, tem como consequência a diminuição do nível de preços ao consumidor. A redução do nível de preços ao consumidor, por sua vez, permite que o Banco Central diminua a taxa básica de juros para além do patamar desejado antes da pandemia.

Infelizmente, a essa altura, não há uma perspectiva clara sobre a retomada da atividade econômica brasileira. O que se sabe é que a retomada será lenta e gradual. Isso deve permitir que o governo mantenha a taxa básica de juros em patamares muito baixos para padrões brasileiros.

E o câmbio, afinal?

Pela lógica, uma taxa de juro menor teria como consequência uma moeda local mais desvalorizada. O movimento é simples: os títulos públicos passam a ser menos atrativos ao capital estrangeiro, que parte dessa para uma melhor.

A diminuição dos rendimentos dos títulos públicos faz com que haja fuga de dólares do Brasil. Ao menos é isso que está escrito nos manuais de macroeconomia é importante ressaltar. No entanto, o que se viu após os sucessivos cortes na taxa básica de juros foi uma forte valorização da moeda brasileira. 

Cabe lembrar aqui que há poucos dias nós vimos a cotação do dólar comercial tocar os R$ 5,97, situação muito diferente da qual nos encontramos no primeiro decêndio de junho. A moeda dos Estados Unidos agora se encontra na faixa dos R$ 4,90 – R$ 5,00.

Logo, nos parece um erro imaginar que a diminuição da taxa de juros por si só será capaz de  induzir um processo de desvalorização da moeda brasileira.O que está em jogo agora é a força da economia brasileira para sair da crise. Esse será o elemento central de análise do câmbio a partir de agora.

Ao fim e ao cabo, resta-nos lembrar que a força de retomada neste momento deve decorrer da demanda de pessoas e empresas. E, bem, você, caro leitor,  já sabe o que aconteceu com o poder de compra do trabalhador brasileiro nos últimos anos.

O processo de retomada deve ser longo e o movimento cambial errático.

Veremos.

André Galhardo

Economista-chefe da Análise Econômica, professor e coordenador universitário nos cursos de Ciências Econômicas. Mestre em Economia Política pela PUC-SP, possui ampla experiência em análise de conjuntura econômica nacional e internacional, e é autor do livro “O Salto do Sapo: a difícil corrida brasileira rumo ao desenvolvimento econômico.”

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