Conflitos de interesses entre Trump e o Banco Federal Americano (Fed) criam tensão econômica para 2019. Trump parece estar equilibrado em uma delicada rede que pode
O crescimento da maior economia do mundo tem sido alvo de intenso debate, muitas dúvidas e incertezas. Por um lado, é inegável que a economia estadunidense tem crescido fortemente nos últimos trimestres.
Os sinais de um aquecimento bastante robusto em 2018 são evidentes. O resultado do 3º trimestre foi de 3,4% e do 2º trimestre havia sido de 4,2%, ambos na comparação com o trimestre imediatamente anterior.
Na comparação interanual, o PIB dos Estados Unidos avançou 3% no terceiro trimestre deste ano. Trata-se da taxa mais elevada desde o segundo trimestre de 2015, quando a economia havia crescido 3,4%.
Por outro lado, o crescimento acelerado da economia dos Estados Unidos conta com a forte atuação do Estado. A média anual de gastos do governo no produto total entre os terceiros trimestres de 2017 e 2018 foi de USD 3,16 trilhões, ou cerca de 17,1% do PIB total.
Nos últimos quatro trimestres a contribuição dos gastos do governo no crescimento do produto saltou para 13%, ante contribuição negativa de 3% nos quatro trimestres imediatamente anteriores.
Este contexto coloca em xeque a sustentabilidade do crescimento estadunidense. Desde Keynes há um certo consenso quanto a importância da atuação do Estado na economia. Este consenso retornou após a crise de 2008 e o presidente dos EUA Donald Trump, com algumas ressalvas, tem sido fiel a cartilha.
No que diz respeito a ação do Estado na economia, existem algumas maneiras de isso ocorrer. Via de regra, duas são as mais comuns: via política fiscal e via política monetária.
Uma briga de Titãs
Em uma atitude atípica por parte dos Republicanos, Trump tem desafiado o presidente do Federal Reserve (Fed, banco central estadunidense) Jerome Powell.
Essa manobra é considerada pouco convencional, pois o Federal Reserve System, desde sua fundação em 1913, é uma estrutura independente do governo central.
Desse modo, as provocações de Trump e o posicionamento incisivo de Powell lançam mais dúvidas quanto ao futuro da política monetária dos Estados Unidos para 2019.
Como é de costume, o presidente dos Estados Unidos usou as redes sociais para desmentir os rumores sobre o desgaste entre ele e o presidente do Fed. Apesar de Trump ter desmentindo os rumores sobre uma possível demissão de Powell, claramente há um desgaste na relação entre os presidentes.
Enquanto Trump, prestes a ingressar na segunda metade do seu mandato, quer gerar crescimento a qualquer custo (America Great Again), Powell, recém-chegado no Fed, preocupa-se em manter o nível de preços sob controle numa economia que aponta para um crescimento acima do potencial.
Em outras palavras, por parte do presidente Trump vale tudo para continuar crescendo, ainda que esse crescimento seja em marcha forçada nos próximos trimestres. Enquanto isso, a visão do Fed é um pouco distinta, ou seja, é melhor recolher-se agora e evitar algum descontrole inflacionário à frente.
A visão do Fed
O Fed por meio do Federal Open Market Committee (FOMC, equivalente ao nosso Comitê de Política Monetária – Copom), elevou a taxa básica de juros dos Estados Unidos ao longo de 2018 em quatro oportunidades. Desse modo, a taxa de juros, que começou o ano em 1,5% chega nesse final de ano na casa dos 2,5% ao ano.
Parte do esforço do FOMC estava ligado ao aumento dos preços, que saltaram de 2,1% em dezembro de 2017 para 2,9% em julho de 2018. O Fed, no entanto, usa o núcleo da inflação como parâmetro. Nesta métrica, desconsidera as variações de preços do setor de alimentos e energia.
Apesar deste indicador mostrar uma variação de preços mais branda, a inflação também apareceu. Em julho de 2018, a variação anual de preços foi de 2,4%, maior variação anual para os meses de julho desde julho de 2008.
Outro indicador no radar do Banco Central dos Estados Unidos é o desemprego, cujo percentual atingiu a mínima desde dezembro de 1969. Então se os dados da economia são tão bons – PIB e desemprego – por que os Estados Unidos ainda indicam que 2019 contará com mais dois apertos monetários?
A primeira resposta está presente na forte influência do estado na composição do PIB. Parte do robusto crescimento vem das ações, grosso modo, de política fiscal. Em dezembro de 2017, o presidente Trump sancionou a lei que estabeleceu uma reforma tributária com forte redução de impostos para empresas e as grandes rendas.
De acordo com estudo do Escritório Independente de Orçamento do Congresso (CBO, na sigla em inglês), a reforma somará USD 1,45 trilhões ao déficit nacional dos EUA na próxima década. Com o aprofundamento dos déficits fiscais, colocando em dúvida a capacidade do governo continuar estimulando a economia, qual o caminho que a economia dos Estados Unidos trilhará?
Futuro da economia dos Estados Unidos
Outro indicador preocupante diz respeito à qualidade dos empregos gerados na economia estadunidense. Ocorre que parte dos empregos gerados são de baixo rendimento, ou seja, empregos com baixos salários. Apesar de extraordinário o fato de a maior economia do mundo registrar um dos menores níveis de desemprego de sua história, os dados sobre o mercado de trabalho são vistos com desconfiança.
Empresas norte-americanas estariam surfando numa onda temporária de salários e impostos menores, insustentáveis no longo prazo. Em outras palavras, Trump está na melhor parte de um equilíbrio muito delicado entre oferta e demanda de emprego nos Estados Unidos.
O que parece convergir agora são as distintas opiniões de Trump e Powell. O Fed enviou um recado preocupante na última reunião. Ao invés de três novos aumentos de juros em 2019, o próprio banco central espera apenas dois novos aumentos.
O Federal Reserve parece esperar, então, algum resfriamento da economia a partir de 2019. Esse resfriamento pode ser conduzido principalmente pelos efeitos da guerra comercial, dos problemas fiscais da Europa, além da própria armadilha fiscal nos Estados Unidos.
E é fundamental não perdermos de vista que, em meio essa “odisseia trumpiana”, a expectativa de esfriamento do ritmo de crescimento da economia estadunidense que, com toda certeza, impactará a economia global, está presente na leitura do Fed e de boa parte dos analistas ao redor do globo.
A partir disso, dependendo do tamanho da tormenta, mesmo que o Fed suspenda os dois aumentos previstos para o ano que vem, a economia não deve responder e o presidente Trump pode ver-se de mãos atadas em meio a uma recessão, elevação do desemprego, dólar mais valorizado e um déficit fiscal difícil de manejar.
André Galhardo é economista-chefe da Análise Econômica Consultoria, professor e coordenador universitário nos cursos de Ciências Econômicas. Mestre em Economia Política pela PUC-SP, possui ampla experiência em análise de conjuntura econômica nacional e internacional, com passagens pelo setor público.