Os dados incertos vindo da Europa se intensificaram nesta semana. A produção industrial da Alemanha foi sucedida por dados ruins das outras grandes economias da Zona do Euro.
Enquanto isso, a produção industrial na França apresentou variação mensal negativa de 1,3% em novembro. Itália, Espanha e Portugal apresentaram dados ainda mais negativos na comparação mensal, -1,6%, -1,6% e -2,5%, respectivamente.
Os dados ruins da produção industrial na Zona do Euro acabam por diminuir a importância das possíveis explicações acerca do porquê da queda da produção industrial na Alemanha.
Após a divulgação dos dados alemães, surgiu uma série de possíveis fatores influenciadores da sensível queda no setor industrial. Entre eles, um feriado no mês de novembro e até a dificuldade da indústria automobilística em atender um novo conjunto de regulamentações para a as emissões de gases.
Apesar do esforço das autoridades locais em atribuir a estes dados eventos não-recorrentes, a verdade é que os principais relatórios sobre a economia mundial já apontam para um resfriamento da economia europeia para os próximos anos.
O World Economic Outlook (WEO), relatório trimestral divulgado em outubro passado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), já havia revisado as projeções de crescimento da Zona do Euro.
Dentre estas revisões, destacam-se justamente as projeções sobre a economia alemã. Certamente, na atualização do relatório no próximo dia 21 de janeiro, as projeções serão ainda menores para as principais economias da Europa.
De modo geral, a indicação de que o governo deverá ser mais ativo nos próximos meses pode ser altamente prejudicial para alguns governos que têm na política fiscal austera sua principal bandeira. Esse movimento mais interventor se dá na esperança de tentar fazer frente ao possível desequilíbrio ocasionado pelo término das políticas monetárias expansionistas da Zona do Euro.
As ameaças de crise vindas da Europa podem deixar o espectro econômico e contaminar o espectro político a partir de 2019. Esse seria o pior dos mundos para um continente que já esqueceu como andar sem a ajuda das políticas monetárias expansionistas. Cabe lembrar que os estímulos monetários na Europa já duram mais de uma década.
Sob a perspectiva dos problemas políticos, os quais possuem grande relevância, ao observar o desenrolar do Brexit, que a cada dia se mostra mais incerto e mais capaz de criar instabilidades econômicas, podemos compreender claramente como tais problemas podem contaminar a economia da União Europeia como um todo.
Não é demais ressaltar que existe um recrudescimento da onda conservadora na Europa, cujos principais interlocutores questionam os benefícios em fazer parte do Zona do Euro ou da União Europeia.
Do outro lado do Atlântico, a situação é paradoxalmente positiva. A taxa de desemprego nos Estados Unidos alcançou o menor nível desde dezembro de 1969, enquanto que a atividade econômica mostrou crescimento acima do potencial. Tais resultados geraram expectativas em torno de uma elevação mais rápida da taxa de juros dos títulos estadunidenses.
O que aconteceu, no entanto, foi a declaração de que ao invés de três aumentos de 0,25% neste ano, o Federal Reserve (FED) deve aumentar a taxa em apenas duas oportunidades. Essa mudança do FED mostra que apesar do crescimento da economia e do controle da inflação, algumas variáveis podem não ter a boa performance que o mercado espera para 2019.
Em outras palavras, a guerra comercial, a disputa política interna e outros fatores podem fazer com que a atividade econômica dos Estados Unidos fique aquém das últimas leituras e interrompa um ciclo robusto de crescimento.
Devemos ter em vista que uma parcela significativa do crescimento dos últimos trimestres adveio dos gastos do governo. Com a reforma tributária a plenos pulmões, o governo pode passar a ter dificuldades em servir de apoio à atividade econômica.
O shutdown, ou seja, a paralisação dos serviços públicos, que já figura como o maior da história, superando a interrupção de 21 dias durante o governo Clinton, pode ser um prenúncio das dificuldades que virão.
Não obstante, segundo o Congressional Budget Office (CBO), o déficit fiscal dos Estados Unidos no primeiro trimestre do calendário fiscal de 2019 (USD 392 bilhões) foi 41% superior ao déficit registrado no mesmo período do ano anterior. O aumento do déficit ocorreu em função do aumento de 9% nas despesas do governo, uma vez que as receitas permaneceram praticamente inalteradas.
A reforma tributária dos Estados Unidos, em conjunto com o aumento das despesas do governo, colocaram as contas públicas numa trajetória cujo único desfecho possível é uma mudança de era.
A despeito do robusto crescimento da economia americana, o custo deste crescimento será cobrado em breve e isso pode ser traduzido, inicialmente, em turbulência internacional e aumento de taxa de juros na maior economia do mundo.
O gráfico a seguir retrata a projeção da dívida pública dos Estados Unidos para os próximos anos.
Desse modo, temos ventos desfavoráveis na Europa; aparentemente, tais ventos podem alcançar os Estados Unidos; e, muito em breve, tudo indica que estes ventos passarão pela China.
O Purchasing Managers Index (PMI) industrial da China já vinha desacelerando, no entanto, no dia 2 de janeiro deste ano, o dado ficou abaixo dos 50 pontos pela primeira vez desde maio de 2017. Quando o PMI fica abaixo dos 50 pontos significa contração da atividade, neste caso da atividade industrial.
O PMI industrial das empresas estatais, vastamente presentes na China, também ficou abaixo dos 50 pontos na última leitura e a contração medida por esse indicador foi a primeira desde julho de 2016.
Dados recentes da inflação ao produtor chinês também indicam desaceleração da economia. Em dezembro de 2018, a variação anual de preços ao produtor foi de +0,9%, menor patamar desde outubro de 2016, quando uma queda forte no preço dos metais ferrosos no mercado mundial acabou por influenciar este indicador na China.
Por fim, um dado que chamou menos atenção, mas que nos fornece indicativos importantes da trajetória da economia chinesa num futuro próximo, é a contratação de novos empréstimos por empresas e famílias.
Tal como boa parte dos países do sudeste asiático, a China tem aumentado perigosamente o nível de endividamento privado. Segundo o Banco Mundial, o saldo das operações financeiras privadas, ou seja, o volume de empréstimos nas mãos das pessoas e empresas na China, chegou a aproximadamente 156% do PIB ao final de 2017. Em 2007, os saldos representavam 105,7% do PIB.
Neste sentido, apesar da valorização do Real frente ao Dólar na nossa economia, a expectativa de uma nova desaceleração do PIB global tem criado um clima de incerteza muito forte. Esse clima de incerteza deve influenciar a cotação das moedas de países como o Brasil e seus pares na América do Sul, África, sul e sudeste asiático.
Por enquanto são rumores, mas os dados estão tratando de cristalizar ainda mais a expectativa de uma nova crise entre 2019-2020.
—
André Galhardo é economista-chefe da Análise Econômica Consultoria, professor e coordenador universitário nos cursos de Ciências Econômicas. Mestre em Economia Política pela PUC-SP, possui ampla experiência em análise de conjuntura econômica nacional e internacional, com passagens pelo setor público.